Jornalista faz profunda análise sobre a situação financeira do Fluminense e avisa: “A situação caótica das Laranjeiras assusta”






Rodrigo Capelo destrinchou situação real do Fluminense

“Nesta quarta-feira, 23, o jornalista Rodrigo Capelo, do SporTV, detalhou em sua coluna publicada no portal da revista Época, toda a real situação financeira do Fluminense.

De forma muito imparcial, Capelo falou sobre os graves problemas políticos que o clube atravessa, detalhou os problemas financeiros e também lembrou de situações do passado que estão comprometendo o presente e certamente comprometerão o futuro.

Na visão do jornalista, somente um grupo político coeso, capaz de dialogar com torcedor e de aparentar credibilidade para o mercado, conseguiria equacionar o clube num período de cinco a dez anos.

Veja a íntegra da coluna do Rodrigo Capelo:

Absurdamente pressionado nos bastidores políticos e pela torcida, o presidente Pedro Abad deu mais argumentos aos críticos de sua gestão no dia 30 de abril de 2018. Este é o prazo legal para a apresentação de um balanço financeiro, cujos clubes estão obrigados a publicar por força da Lei Pelé. Prazo que a direção do Fluminense se esqueceu de cumprir. Acompanhado de seu diretor financeiro e de funcionários, o dirigente trabalhou até altas horas para conseguir colocar no site oficial do clube alguma coisa. Acabou subindo depois da meia-noite duas páginas, e não o documento completo. Foi o que deu tempo de publicar. E dá-lhe crise. Abad abriu brecha até para seu afastamento, fato que as má fase política, financeira e esportiva na qual o cartola imergiu em seu primeiro ano no comando.

O motivo para o atraso na publicação foi explicado depois em nota oficial e no próprio balanço. A diretoria de Abad teve mais trabalho do que teria numa ocasião comum porque o balanço anterior, confeccionado pela administração do ex-presidente Peter Siemsen, estava errado. O resultado do exercício de 2016, que tinha sido apresentado como um superávit de R$ 8 milhões, após a revisão executada neste ano passou a um déficit de R$ 13,5 milhões. E nem é esta a pior parte. Dívidas tinham sido varridas para debaixo do tapete pelo antecessor. O endividamento, quantificado em R$ 331 milhões em 2015 e R$ 399 milhões em 2016, segundo os cálculos da diretoria passada, foi reclassificado para R$ 442 milhões e R$ 529 milhões respectivamente pela atual direção. Aumentos consideráveis que não fariam tão mal à imagem de Abad, não fosse o fato de que ele próprio era aliado e presidente fiscal da gestão de Siemsen.

O constrangimento que se avizinha, por revirar as contas do antigo aliado e encontrar muito mais dívidas do que qualquer tricolor podia supor que existissem, é agravado pelo endividamento do ano em questão. Em 2017, o Fluminense contabilizou R$ 631 milhões pendurados. Não existe ângulo que suavize a interpretação deste número. O clube tem dívidas bancárias altíssimas, acima dos R$ 110 milhões, ao mesmo tempo em que deve R$ 221 milhões ao governo por calotes em impostos e R$ 239 milhões em dívidas trabalhistas, resultado de salários e direitos de imagem que foram prometidos a jogadores no passado, mas nunca foram pagos e ensejaram ações judiciais contra o clube. A equipe das Laranjeiras não teria dinheiro para pagar nenhuma dessas dívidas mesmo que só uma delas existisse, quanto mais as três juntas e ainda outros débitos.

Pode ser que o torcedor não tenha a dimensão exata dos efeitos práticos de tanta dívida, mas estamos aqui para isso. Vamos por partes. A dívida bancária é problemática porque coloca juros sobre os ombros tricolores. Só em 2017 foram perdidos R$ 11 milhões com eles – um dinheiro que não diminui um centavo do endividamento, nada além de remunerar quem emprestou a grana. Os credores são variados. Há empréstimos de instituições financeiras como XXII Capital, BMG, BCV, Lecca e Banco Plural. E há empréstimos de não financeiras. Aqui tem um bom exemplo de como clubes conseguem dinheiro. Em 2017, o Fluminense vendeu o atacante Richarlison para o britânico Watford por 12,5 milhões de euros, só que a grana não entraria de uma vez. A primeira parcela foi paga de imediato, e a segunda tem vencimento em agosto de 2018. O que Abad fez? Entregou esse crédito na mão de um fundo chamado Star Fund Managers, que lhe adiantou o dinheiro e pôs juros em cima dele.

O endividamento fiscal atrapalha bastante, no caso do Fluminense. Primeiro, há os juros. Foram cobrados R$ 25 milhões na temporada de 2017, custo que, assim como o bancário, não diminui em nada o montante devido. Segundo, há restrições impostas pelo governo para que o clube não tenha toda a renda confiscada. Aí vai mais um exemplo concreto. No início deste ano, uma tutela provisória expedida por um juiz determinou que o Fluminense teria de recolher 15% de todas as receitas obtidas, e não mais 30%, e usá-las para pagar a Fazenda Nacional. Melhor reter 15% do que 30%, certo? Mas tem tanta dívida que, na prática, foram recolhidos mais de R$ 11 milhões apenas nos quatro meses iniciais de 2018. Esse dinheiro poderia bancar salários de jogadores, ser investido em infraestrutura ou na aquisição de reforços, mas é levado pelo governo por todos os anos em que cartolas tricolores deram calotes no poder público.

A tragédia do Fluminense tem nome e sobrenome no financês: fluxo de caixa. Por mais que o clube ache novas receitas, dívidas consomem essa grana antes mesmo que ela consiga chegar à conta bancária. Os atrasos de salários são decorrentes deste aperto. Aquele reforço que o torcedor pede no Twitter e não vem se justifica aí. Nesta situação, todo dirigente faz mais ou menos a mesma coisa. Parte em desespero para as negociações de atletas, o que lhe deixa em péssima posição para barganhar, a fim de levantar algum dinheiro para o pagamento que vence na segunda-feira. Antecipa receitas futuras, como fez Abad no momento em que triangulou com o Star Fund Managers para receber a segunda parcela de Richarlison antes do vencimento. A televisão e patrocinadores mais estáveis, como fornecedores de materiais esportivos, também cumprem essa antecipação de recebíveis. O que poucos fazem é cortar na carne.

Abad estabeleceu o corne na carne tricolor como prioridade desde que chegou. A folha de pagamentos do futebol foi reduzida de R$ 130 milhões em 2016 para R$ 122 milhões em 2017. Os custos administrativos também caíram. Isso afeta o clube social, frequentado justamente pelos conselheiros que elegem e ditam a vida política do presidente. E aí as crises começam a entrelaçar. Com um investimento mais baixo, o time chega na 14ª posição do Brasileirão e frustra todo mundo. A austeridade soa bem aos ouvidos do financista, mas pega mal demais no torcedor médio – ainda mais o tricolor que viu há pouco tempo, em 2010 e 2012, estrelas ganharem dois títulos nacionais, todas bancadas pela Unimed. O conselheiro evidentemente quer que o Fluminense ganhe tudo no futebol, desde que isso não afete as piscinas ou a quadra de tênis. O clube não funciona como uma empresa comum, ordenada basicamente pelo intuito dos acionistas de lucrar. No futebol, os interesses são difusos, e as esferas esportiva, financeira e política colidem e tumultuam.

Fora a redução de custos e a auditoria sobre a realidade financeira, ambas necessárias para que a situação comece a clarear, pouca coisa melhorou no Fluminense na temporada passada. A receita operacional caiu em relação ao ano retrasado, muito em função da luva por um novo contrato de direitos de transmissão, que rendeu R$ 80 milhões em 2016 e zero em 2017. Mesmo que outras linhas de arrecadação sejam analisadas individualmente, no entanto, os números estão estagnados. Os patrocínios não passaram dos mesmos R$ 15 milhões das últimas temporadas, as bilheterias aumentaram pouco, e o sócio torcedor rende até menos do que nos anos anteriores – um óbvio efeito vinculado ao desânimo da torcida. Com menos dinheiro a entrar de um lado, ainda que as despesas tenham sido cortadas, a conta continua sem fechar. Houve déficit de R$ 68 milhões. No momento em que falta dinheiro para pagar alguém, esse alguém vira credor de uma dívida a ser quitada nos anos seguintes. O caos descrito nos parágrafos anteriores se agrava.

Existe aí um evidente impacto da inexistência de uma Unimed para dopar o Fluminense. Cinco anos atrás, a patrocinadora pagava atletas por fora do balanço e dava ao clube a capacidade de competir de igual para igual com adversários como o Flamengo – que, por sua vez, vinha de uma bagunça financeira e administrativa equiparável à atual do Fluminense. A patrocinadora era dirigida por Celso Barros, torcedor inveterado que tinha a ambição política de se tornar presidente do time das Laranjeiras, mas não conseguiu. O dinheiro fácil da empresa de convênios médicos se foi, e ficou a tentativa frustrada de elevar investimentos no futebol para tentar manter o padrão lá no alto. A folha salarial tricolor disparou entre 2013, quando ainda havia o aporte da Unimed, até 2016, quando bateu seu valor mais alto na história do clube. O Fluminense não tinha porte financeiro para aguentar o tranco. E não aguentou mesmo.

A situação caótica das Laranjeiras assusta. Só um grupo político coeso, capaz de dialogar com torcedor e de aparentar credibilidade para o mercado, conseguiria equacionar o clube num período de cinco a dez anos – sendo otimista, claro. A política não tem deixado. Pedro Abad é um presidente cuja personalidade se destaca pela serenidade e pela paciência, tem a cabeça no lugar em termos de administração e finanças, mas tem demonstrado enorme dificuldade na condução dos bastidores. Marcus Vinícius Freire, oriundo do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), não se deu bem no cargo de CEO e teve sua passagem encurtada pela demissão neste mês de maio. Paulo Autuori, contratado para dirigir o departamento de futebol, também quer sair. A falta de unidade na política e o troca-troca de profissionais atrasa ainda mais o processo de recuperação financeira. O Fluminense precisa de um pouco de calmaria. E logo”.



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Por Explosão Tricolor/ Fonte: Época

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