Kardecismo, terapia de regressão e apoio do Abel Braga: Leo Percovich junta forças para superar drama familiar




Graças a uma forte chuva, o campo de Xerém amanheceu alagado nas primeiras horas de sábado. Com rodos, funcionários tentaram resolver o problema, para a estreia do Fluminense no Estadual sub-20, contra a Portuguesa. Não deu muito certo. A drenagem, como todos os processos, precisa de tempo. Leo Percovich sabe disso. O jogo, que terminou em 1 a 1, foi seu recomeço como técnico após o acidente de carro de 16 de dezembro, em Minas Gerais, no qual suas duas filhas morreram. A dor ainda não passou.

De acordo com a reportagem do jornalista Rafael Oliveira, do Jornal Extra, além de sete costelas fraturadas, pulmão perfurado e clavícula deslocada, o técnico chora constantemente. Foi assim na reapresentação, terça-feira passada, diante dos jogadores. É o que ocorre quando vê meninas da idade das filhas (11 e 5 anos) nas ruas. E na solidão de casa.

— Na medida em que vou me reencontrando, me reestruturando e reorganizando meu dia a dia, vou voltar a ser um treinador melhor e estarei em harmonia com meu trabalho — conta Percovich: — Chorar em casa me alivia. Dá uma visão mais profunda no dia seguinte, quando volto aqui com outra energia. Acho que é algo recarregável. A mesma energia que você perde, reencontra na sua casa, no seu pensamento e no trabalho.

Sobreviventes do acidente, o filho Gianpietro, de 8 anos, e a mulher Juliana ficaram em Belo Horizonte, porque ainda vão precisar de cadeira de rodas nos próximos meses e o menino não pode viajar de avião por, assim como o pai, ter o pulmão perfurado. No Rio, Percovich dorme todas as noites no quarto das filhas. Sozinho, passa pelo processo de assimilar o que ocorreu e aprender a olhar para trás.

— A ida das minhas filhas terá sido em vão se eu continuar sofrendo. E meu filho merece ser feliz. Para isso, tem que ver os pais felizes e fortes. Apesar de me sentir vazio por dentro, é isso que procuro fazer: me encher outra vez daquela alegria e amor e passar tudo para eles. Estou dando tudo o que tenho, mas sentindo que ainda é pouco. Preciso aprofundar ainda mais — afirma.

Apoio não falta. Neste sábado, ele foi abraçado pelos jogadores após o gol de Lucas. Sua presença na área técnica, aliás, se deveu a Juliana, que o aconselhou a seguir quando ele pensava em desistir. E também às filhas:

— Quando aconteceu tudo, que eu estava lá e não tinha mais minhas filhas, pensei: “Eu era tão feliz morando na Inglaterra, percorrendo o mundo inteiro, o que vim fazer aqui? Mas aí vão passando os dias e você começa a ter uma dimensão maior. Começa a entender que, se voltar agora, tudo terá sido em vão. Não posso recuar agora. Tenho uma carta das minhas filhas na qual dizem que gostariam que eu fosse o melhor treinador. Antes de vir ao Brasil, as fiz entender que o “Papi” estava começando uma carreira nova. Vou continuar para honrar o que prometi. Estou correndo atrás do meu sonho e tenho que entender que nada disso foi em vão — disse.

Conforto no Kardecismo e terapia de regressão

Do acidente até a primeira partida, foram 43 dias. Neste período, Percovich já percorreu um caminho longo. Ele passou por uma terapia de regressão para tentar se lembrar do momento fatídico, um vazio em sua mente. Não funcionou. Também voltou ao local do acidente, uma ponte na rodovia BR-040, em Santos Dumont, Zona da Mata Mineira. Lá, agradeceu aos moradores que socorreram a ele e sua família, e notou que não há mureta de proteção no ponto onde o carro caiu.

— Triste saber que o governo, talvez por economia, não se preocupa com a vida de pessoas tão caras — disse.

No discurso do técnico, é possível perceber o sentimento de culpa. Percovich contou que Juliana e os filhos tinham passagens aéreas compradas para Minas Gerais, onde passariam o Natal com os pais dela. Mas ele fez questão de levá-los de carro. O conforto só foi encontrado no kardecismo:

— Começamos a entender que existe uma conexão, um porquê e um quando. A gente se refugia nisso porque dá paz. Não acaba com a dor. Mas a gente aprende a não viver com sofrimento, que é diferente. A dor vai continuar pelo resto da vida. Mas você a coloca de um lado, do outro, ajeita. O sofrimento te mata — resumiu.

Apoio de Abel Braga



Se no kardecismo Leo Percovich achou conforto, em Abel Braga ele encontrou compreensão. O treinador do time profissional do Fluminense viveu trauma parecido. Em julho, perdeu o filho mais novo num acidente doméstico. Ao tomar conhecimento da tragédia do uruguaio, preocupou-se em entrar em contato com ele.

Foram várias tentativas sem sucesso, já que Percovich perdeu seus dois celulares no acidente. Quando, enfim, o uruguaio substituiu o aparelho, a ligação foi completada. Ao ouvir a voz do colega de profissão do outro lado da linha, o técnico do sub-20 caiu em lágrimas.

— Perguntei como fazia para continuar. Ele falou: “Pega sua esposa, seus amigos e sua família e se dedica ao trabalho para você se manter forte. Porque a dor não vai passar” — relatou Percovich, comovido com o gesto de Abel: — A gente tinha uma aliança de dor. Eu tinha entendido a dimensão do que ele passou. E ele estava entendendo onde que eu estava metido.

Da mesma forma que Abel, Leo Percovich tem encontrado no trabalho a força para seguir em frente. E quer que isso motive os jogadores.

— Falei que, se realmente querem me ajudar a sarar, a melhor forma não é mandando mensagens ou dando tapinha nas costas. Mas demonstrando entrega todos os dias. E acho que eles entenderam — explicou ele.



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Por Explosão Tricolor / Fonte: Extra

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