Em entrevista, Mário Bittencourt defende maior adesão à Liga Forte Futebol: “Não tem o menor sentido não estarmos juntos”






Presidente do Fluminense falou sobre várias questões envolvendo a Liga Forte Futebol 

As discussões para a criação da futura liga de clubes movimentam os bastidores do futebol brasileiro. A divisão entre dois blocos, no entanto, suscita a seguinte questão entre o público: o que acontecerá se os integrantes da Liga Forte Futebol e da Libra não chegarem a um consenso? Em entrevista exclusiva ao portal “Lance!”, Mário Bittencourt, presidente do Fluminense, um dos clubes integrantes da LFF, comentou sobre o assunto.

O mandatário se mostrou otimista pela união dos 40 times das Séries A e B do Brasileirão em uma única liga. Ainda assim, o dirigente garantiu que, caso a divisão permaneça, o caminho será a coexistência de dois blocos de comercialização dos direitos.

– Continuaremos a tentar que os 40 clubes estejam do mesmo lado. Acreditamos que vai acontecer, que o bom senso prevalecerá. Mas caso isso não seja possível, nos restará a comercialização em bloco dos direitos. O que não aceitaremos em hipótese alguma é uma liga que eternize distorções de distribuição de receitas, que destrua a chance de um Campeonato Brasileiro forte e competitivo – disse Mário Bittencourt.

Nesta semana, clubes que compõem o Forte Futebol assinaram acordo com as empresas Serengeti Asset Management e Life Capital Partners para a sociedade na futura liga de clubes. A proposta é de R$ 4,85 bilhões em troca de 20% da empresa por um período de 50 anos. Para que esses valores sejam válidos, no entanto, é necessária a entrada de pelo menos 36 clubes no pacote.

Do outro lado, a Libra tem proposta do Mubadala, fundo de investimento dos Emirados Árabes. Os valores são próximos: R$ 4,8 bilhões por 20% da futura liga de clubes. Uma vantagem da LFF em relação à Libra é o número de integrantes: atualmente são 26 contra 18.

Confira abaixo todas as respostas de Mário Bittencourt:

Além da quantia ligeiramente superior, quais seriam as vantagens da proposta recebida pela LFF em relação àquela recebida pela Libra?

“Tem alguns aspectos fundamentais na proposta, e talvez o principal seja o foco na formação de uma Liga de 40 clubes, que é a forma como a LFF enxerga a organização do futebol Brasileiro. Temos potencial para estar entre as três maiores e mais relevantes ligas de futebol do mundo. Essa é nossa visão. No entanto, a proposta tem a enorme vantagem de não travar o processo caso os clubes não cheguem a um entendimento, pois têm a garantia de uma proposta apenas para os direitos comerciais da LFF.

Mas esse caminho da formação de dois blocos só será seguido se os clubes que hoje se organizam na Libra não aceitarem o modelo equilibrado – modelo que, por sinal, é consagrado no mundo, inspirado na Premier League e na La Liga. Não tem o menor sentido não estarmos juntos somente para que alguns poucos clubes se beneficiem. Os clubes que ganham mais continuarão a ganhar mais no Brasileirão do que a partir de uma divisão mais equilibrada vai gerar mais receita. E também (vão ganhar mais) com outras receitas como patrocínio e bilheteria/sócio torcedor.”

A LFF precisa de 36 clubes, no mínimo, para receber a totalidade do valor oferecido pelo fundo. Qual a estratégia para convencer clubes da Libra a mudarem de lado?

“Não acredito que seja apenas uma discussão sobre a divisão das receitas, mas, sim, uma discussão sobre que forma de organização os clubes querem para o Brasil: se serão apenas pequenos ajustes no modelo atual (e a consequência disso será continuarmos nos mantendo como uma sub-liga em relação à Europa) ou se seremos uma liga capaz de disputar espaço entre as três principais ligas do mundo. Todo o resto é uma consequência disso. O modelo de divisão de receita, a governança, as regras de fair play financeiro da LFF são consequências da crença sobre que tipo de liga queremos no Brasil.

Discute-se muito a divisão de receitas, e esse é um dos aspectos, certamente, muito importantes. Mas apenas um deles. A Liga Forte se inspira nas ligas que foram capazes de gerar o maior valor possível para todos os envolvidos. Ou seja, um modelo de distribuição equilibrado gera maior competitividade, que gera um produto melhor, mais atrativo para os grupos de mídia e patrocinadores. E, por isso, entregando mais receita para os clubes. Essas receitas, por sua vez, permitem aos clubes atraírem os melhores jogadores e geram um ciclo positivo de crescimento. Não precisamos reinventar a roda, o modelo de sucesso da Premier League é a referência. Por que não copiar? É a pergunta que deveria ser feita a todos.

Agora, quando essa discussão começou, vi clubes se unindo sob o argumento de que os maiores estão do lado de lá. Chegaram a me inquirir com esse argumento: “Você não vai se juntar aos maiores?”. Essa é uma falácia que foi repetida muitas vezes, de que os maiores seriam capazes de rentabilizar melhor. O que vimos, na proposta que acabamos de aceitar, que não é verdade.”

Como seria a gestão da possível Liga com a venda de 20% do negócio ao fundo americano? Os clubes não temem perder autonomia caso o presidente seja indicado pela Serengeti?

“Estamos sendo bem assessorados para construir com o investidor a governança desta empresa que deterá os ativos comerciais dos clubes relacionados ao Brasileirão. Já temos um estatuto inspirado também na Premier League, em que as decisões são feitas pelos respectivos colegiados de clubes de Série A e B, em função do interesse do tema para cada divisão. E se queremos parcerias sólidas com investidores, eles precisam, sim, ter voz nos destinos do produto a ser criado. Mas no produto. No futebol, quem continuará dando a direção são os clubes. O futebol brasileiro é muito forte e tem um potencial imenso de ser muito grande no mundo inteiro. O que estamos tratando aqui não é de entregar as decisões do futebol. É criar um campeonato forte. Além disso, a CBF continuará tendo o seu papel importantíssimo, do qual não abrimos mão.”

Gostaríamos que explicasse de forma didática ao nosso leitor: a ideia da LFF é criar uma liga esportiva para organizar o Campeonato Brasileiro ou apenas formar um bloco de comercialização dos direitos?

“Queremos criar uma liga, e que inclua, entre outros, os princípios que já mencionei. Por isso, sempre tentamos o diálogo com todos os clubes. E continuaremos a tentar que os 40 clubes estejam do mesmo lado. Acreditamos que vai acontecer, que o bom senso prevalecerá. Mas caso isso não seja possível, nos restará a comercialização em bloco dos direitos. O que não aceitaremos em hipótese alguma é uma liga que eternize distorções de distribuição de receitas, que destrua a chance de um Campeonato Brasileiro forte e competitivo. Esse projeto maior não pode emperrar somente porque alguns clubes se veem com direitos acima dos outros.

O que vejo que está acontecendo é que os argumentos dos clubes da Libra estão sendo usados sem que haja maior discussão. Nosso grupo tem feito muitas e muitas reuniões gerais, além de reuniões dos grupos de assessoramento jurídico, comercial e outros. E várias delas presenciais, não apenas por videoconferência. O tema é muito complexo e estamos dando a ele toda a atenção do mundo. Estamos dispostos a dividir esse conhecimento que geramos com todos os clubes. Temo que, se alguns dirigentes não atentarem à profundidade do tema, vão acabar decidindo sem informação e criando problemas futuros, se se dar conta de que o que estamos propondo é uma liga se tornará um dos produtos de futebol mais atraentes do mundo.”

Você acredita que a liga vai valer a pena se nascer sem união entre 36 clubes, no mínimo? É viável, na prática, a existência de dois blocos negociando os direitos de TV a partir de 2025?

“Estamos trabalhando de portas abertas para a criação da Liga de 40 clubes. Dispostos a sentar e conversar de peito aberto sobre pontos objetivos da grande diferença que existe hoje nos modelos apresentados. Nossa única premissa é construir a liga sob os princípios que levem à competitividade e permitam mobilidade. De qualquer forma, se não for possível a formação da Liga unificada de imediato, a comercialização dos direitos por dois blocos de clubes será um avanço em relação às negociações individuais que geraram as distorções dos contratos atualmente em vigor. Os clubes da LFF se manterão unidos sob seus princípios, ainda que não seja possível ter uma liga de 40 clubes.”