Vasco e luta contra o preconceito: uma história que mostra suas contradições




Vasco e luta contra o preconceito: uma história que mostra suas contradições (por André Lobão)

É preciso apresentar as contradições existentes no comportamento de parte da torcida vascaína, de seus dirigentes e ex-jogadores, quando o assunto é racismo. Por isso, vamos elencar aqui alguns casos que aconteceram com profissionais que envergavam a camisa do Vasco ao longo dos anos. Clube tem condenações na Justiça Comum e tribunais esportivos por conta de episódios de racismo.

O Vasco da Gama ao longo de sua história sustenta a narrativa de ser um pioneiro na luta contra o racismo no futebol brasileiro, tomando para si o ineditismo de colocar jogadores negros para envergar sua camisa em jogos de futebol. No dia 7 de abril de 1924, há 100 anos, o Vasco da Gama protagonizou o que é considerado um dos momentos mais importantes da história do futebol na luta contra o racismo e o preconceito social, ao enviar um documento que ficou conhecido como Resposta Histórica, recusando-se a excluir 12 jogadores do time para se filiar na Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA).

Distribuição de fakenews em jogos contra o Fluminense

À primeira vista o discurso da instituição é politicamente correto, mas infelizmente parte de sua torcida não comunga disso. Além disso, parte dessa mesma torcida tem divulgado que o Fluminense Football Club tem no seu histórico uma conivência com práticas racistas, conforme materiais impressos e digitais que são distribuídos pela internet e nas ruas, a cada véspera de jogos entre as equipes, como aconteceu na última partida em 20/04. Antes do jogo vencido pelo Fluminense por 2×1, foi distribuído um material apócrifo com graves acusações ao clube tricolor, associando-o ao racismo, fazendo até mesmo alusão ao grupo supremacista estadunidense, Ku Klux Klam, como pode ser verificado neste link publicado pelo site NetVasco , às 14h41.

https://www.netvasco.com.br/n/335168/torcedores-do-vasco-espalham-cartazes-em-provocacao-ao-fluminense-nos-arredores-do-maracana-veja-fotos

Diante disso, é preciso apresentar as contradições existentes no comportamento de parte da torcida vascaína, de seus dirigentes e ex-jogadores, quando o assunto é racismo. Além de exigir das autoridades do estado do Rio de Janeiro, providências contra essa prática difamatória, caluniosa e injuriosa contra a instituição Fluminense.  Sem provocações  vamos elencar aqui alguns casos que aconteceram com profissionais que envergavam a camisa do Vasco ao longo dos anos.

O caso Lucas Eduardo

Em 14/01/24, o meio-campista Lucas Eduardo, capitão da equipe sub-20 do Vasco, disse que foi vítima de racismo após a derrota para o Vitória, em partida realizada no dia anterior, 13/01, no Estádio Antonio Oliveira, em Guarulhos (SP). O capitão do time falava ao microfone do SporTV, à beira do campo, sobre a eliminação da Copa São Paulo quando alguém lançou uma garrafa sobre ele. De imediato, a repórter interrompeu a entrevista. Depois, Lucas Eduardo afirmou que a garrafa não foi a única agressão, dizendo que ouviu gritos de “macaco” vindos da arquibancada. Vasco se posicionou em defesa do jogador nas redes sociais, repudiando o episódio de discriminação racial. O  clube ainda declarou que está apurando as responsabilidades para punir os autores da ofensa – que é um crime.

https://ge.globo.com/futebol/times/vasco/noticia/2024/01/14/atingido-por-garrafa-capitao-do-vasco-sub-20-diz-em-carta-que-foi-vitima-de-racismo.ghtml

O caso Edil

Em uma entrevista publicada em 17/12/15, pelo site Globo Esporte. Com (GE), o ex-jogador paraense, Edil descreveu a situação de racismo quando atuou pelo Vasco da Gama em 1991. O centroavante que veio oriundo do Remo-PA, comentou na matéria que sofreu preconceito por ser um atleta do Norte do país e acredita que Pikachu, então contratado em 2105, também terá dificuldades no Gigante da Colina.

https://ge.globo.com/pa/futebol/noticia/2015/12/edil-diz-que-foi-discriminado-no-vasco-e-reprova-escolha-de-pikachu.html )

“Cheguei em um time que só tinha feras do futebol e, no final, avalio que a minha passagem foi boa, mas, por ser do Norte, fui bastante discriminado. O Eurico já estava lá e tinha esse mesmo jeito de hoje. Sentia que o Eurico não gostava muito de mim, fui sendo colocado de lado, não tinha apoio lá dentro”, revelou na entrevista.

O caso Cristovão Borges

Em 10/03/15, o Observatório da Discriminação Racial reproduzia uma entrevista publicada no Jornal Extra do Rio de Janeiro, em que o técnico Cristovão Borges contava como dizia ter sido vítima de racismo por parte da torcida do Vasco em 2011, quando comando o time vice-campeão brasileiro daquele ano.  (https://observatorioracialfutebol.com.br/cristovao-revela-ter-sido-alvo-de-racismo-de-parte-da-torcida-do-vasco/)

“No Vasco, quando os torcedores ficavam com raiva, iam para perto do banco de reservas. Pela agressividade, dava para perceber que tinha coisa de preconceito. Estou falando de uma pequena parte da torcida. Não é a torcida do Vasco”, contou.

Felipe Bastos, o homofóbico

Após uma vitória contra o Fluminense em que conquistou a Taça Guanabara de 2019, o jogador do Vasco, Felipe Bastos, abraçado com um presumível funcionário do Vasco, apareceu em vídeo provocando o Fluminense com cantos homofóbicos.

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/18/deportes/1550524082_018610.html

Condenação por preconceito contra nordestinos

Em 1997, precisamente, no dia 20/08, em uma partida válida pela Copa do Brasil, o Vasco enfrentava o América-RN, quando Edmundo recebeu cartão vermelho do árbitro cearense Francisco Dacildo Mourão Albuquerque.

A polêmica partiu da declaração do atacante, que, irritado com a expulsão, disse a seguinte frase ao deixar o campo: “A gente vem jogar, e colocam um paraíba para apitar, só podia nos prejudicar”. Em 2000, o jogador, junto com o Vasco, foi condenado pela Justiça do estado da Paraíba a pagar uma indenização de R$ 100 mil. A ação foi movida pelo jornalista Sebastião Barbosa, que alegou que o atleta se referiu de forma “racista e pejorativa indistintamente a todas as pessoas naturais do Estado da Paraíba”.

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk2409200053.htm#:~:text=A%20Justi%C3%A7a%20do%20Estado%20da,a%20popula%C3%A7%C3%A3o%20do%20referido%20Estado.

Multa por canto preconceituoso

Em 28/04/22, o Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro (TJD/RJ) anunciou uma multa de R$ 20 mil contra o Vasco do Gama por causa de um canto preconceituoso de sua torcida em relação ao Flamengo. O caso aconteceu no primeiro jogo da semifinal do Campeonato Carioca, no Maracanã, em 16 de março. O Vasco era o mandante da partida. No vídeo, é possível ouvir a torcida vascaína entoar o cântico “tu és, time de otário e cuzão, puta, viado e ladrão”, para a torcida do Flamengo.

https://oglobo.globo.com/esportes/futebol/vasco-multado-por-canto-preconceituoso-de-torcida-em-jogo-contra-flamengo-25492932

Chico Anísio e Barbosa

Em 2006, às vésperas da Copa de 2006, o humorista Chico Anysio, conhecido vascaíno, concedeu uma entrevista para o jornal Lance, dando ponderações sobre a equipe que disputaria o Mundial na Alemanha. Sobre a escolha de Dida para o gol do time de Parreira, Chico Anísio polemizou ao lembrar um personagem do drama da seleção de 1950, marcada pela derrota para o Uruguai no Maracanã, o lendário goleiro vascaíno Barbosa. No comentário que provocou bastante repercussão, o humorista escorregou na questão racial ao relembrar o “vilão” do Brasil no vice-campeonato mundial de 1950: “Não tenho confiança em goleiro negro. O último foi Barbosa, de triste memória na seleção.

https://uolesportevetv.blogosfera.uol.com.br/2012/03/23/chico-anysio-no-futebol-comentarista-caricatura-coalhada-e-polemica-do-goleiro-negro/

Racismo até no futebol feminino

Em 2019, o Vasco foi condenado pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) a pagar uma multa de R$ 20 mil, após um episódio de racismo no duelo entre Vasco e Fluminense, realizado em 28/10/19, pelo Campeonato Carioca Feminino.

Naquela partida, a assistente Paola Rodrigues foi vítima de insultos racistas. Uma torcedora cruzmaltina chamou a bandeirinha de “macaca”, e a partida foi interrompida a pedido de Paola.

https://dibradoras.blogosfera.uol.com.br/2019/11/13/quantas-vezes-vou-ter-que-vir-aqui-pra-dizer-que-fui-chamada-de-macaca/

Fausto dos Santos e Russinho, uma história quase não contada

Em artigo publicado no site Ludopédio, em 01/09/21, “Pretos, não te enganes, no esporte nenhum branco lutou por ti”, o pesquisador Ricardo Pinto dos Santos, relata uma história de preconceito ocorrida em 1933. “Na verdade, bem diferente do que se espera de um clube que se impõe pioneiro na luta contra discriminação, devemos lembrar o ocorrido em 12 de outubro de 1933, quando o primeiro diretor de esportes terrestre do clube, Rubens Espozel, em assembleia de diretoria, pede para que noticie os jogadores Fausto do Santos e Moacyr Queiróz (Russinho), dois grandes craques do clube, que não poderiam ingressarem em locais reservados aos sócios do clube” – conta na pesquisa que identificou atas sobre a punição.

Segundo o professor e pesquisador de história, André Luiz do Reis, em uma publicação sobre o assunto no “X”, Fausto era conhecido como a “Maravilha Negra”, um dos mais renomados craques do país naquele período e Russinho, um dos atacantes mais celebrados da história do clube.

https://twitter.com/andrevbt/status/1693240235222569341

O fato é que não se pode dizer que essa determinação pode ter relação com discriminação racial, mas ela evidencia uma prática de segregação contra os atletas, e isso aconteceu no clube que diz carregar a bandeira da luta contra o preconceito.

https://ludopedio.org.br/arquibancada/pretos-nao-te-enganes-no-esporte-nenhum-branco-lutou-por-ti/

Basta de mentiras!

Para fazer jus a sua história, o Vasco da Gama, ou a SAF que detém o seu histórico nome, deveriam promover campanhas educativas e punir torcedores, atletas e dirigentes que não compactuam com a história de luta contra o racismo.

Não se pode admitir nos tempos atuais, no futebol brasileiro, a produção do discurso da mentira, com claro objetivo de polarizar duas torcidas de futebol. Já basta o conturbado momento político de polarização política que se vive no Brasil desde 2013. Queremos paz e futebol!