A culpa é do talco!




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Manifesto de um jornalista anônimo do Rio de Janeiro

“Foi com profunda lamentação que soube da vitória dos insólitos tricolores Gustavo Albuquerque (convenientemente conhecido como Flupress), e Gabriel Machado, em ação popular que objetivava a liberação do uso do pó de arroz (talco) nos estádios pela torcida tricolor.

Esta ação, proposta por apenas dois torcedores,  vem se juntar a várias outras atitudes desta torcida que, por ser intelectualmente diferenciada, se acha no direito de desafiar qualquer instituição pública existente para manter a ordem e os bons costumes.

Talco! Era só o que me faltava!

Vocês sabiam que este talco foi proibido em 1999, tendo em vista que ele foi arremessado por um grupo de torcedores em direção a um policial? Isto é um absurdo! E se pegasse no olho do policial?

Ok, eu sei que o mesmo poder público permite a todas as torcidas que ingressem nos estádios com bandeiras, tambores, peças de bateria etc. E que tudo isso pode se transformar numa arma muito mais destrutiva do que um saco de talco. Mas, e a situação vexatória vivida por um policial cheio de talco? Isso a meu ver é muito mais grave do que este sofrer uma lesão séria em decorrência do arremesso de outro objeto.

E as reações alérgicas? Ora ora, tenho certeza que durante estes anos de utilização do talco, inúmeros tricolores deram entradas em emergências de hospitais com insuficiências respiratórias, pneumonias e alergias. Ou seja, com esta liberação do pó de arroz, teremos que deslocar médicos das redes públicas estaduais para atuar em jogos do Fluminense, fragilizando ainda mais o atendimento nos hospitais. Tenho certeza, inclusive, que a torcida tricolor é a grande culpada pelo pífio desempenho da rede pública de saúde na nossa cidade. Talco é mesmo um veneno!! Eu que não passo uma coisa desta nos meus filhos recém-nascidos!

Fora isso, temos o grave problema das ambulâncias que atendem as pessoas no Maracanã. O talco vai prejudicar todos estes atendimentos. Imaginem se alguém precisar entrar na ambulância cheia de talco! É capaz ainda de escorregar no meio do caminho!

Claramente, esta ação foi movida por pessoas que não frequentam os estádios. Para vocês terem uma ideia, usam toda a sua argumentação como se o Maracanã não tivesse passado por esta santa reforma, que o transformou em um modelo Europeu de como se torcer. Agora eu lhes pergunto: Como fiscalizar todo este talco, em um estádio do tamanho do Maracanã?

Fato é que a torcida Tricolor é uma praga, que precisa ser extirpada de nossa cidade. Eu por exemplo, sonho em vê-los disputando a série B e não consigo! O Vasco cai o tempo todo. O Botafogo idem. Mas o Fluminense não, este é “incaível”. Ô time irritante! Pelo menos tem o Flamengo para salvar a pele dos cariocas. Este sempre se manteve na primeira divisão de forma honrada e sem levantar qualquer suspeita. Salve o campeão de 1987!

E sabem o pior de tudo? Vamos ter que ver essa elite racista enchendo o lado direito do Maracanã de talco. Tá bom, eu sei que sempre tiveram jogadores negros, mas isso foi a contragosto. Nunca foi um clube democrático e adoram pisar em cima da tradição dos outros.

E sim, o pó de arroz é tradicional e histórico, mas faz muito mal, como já disse anteriormente. É diferente do lado do Maracanã, que é um contrato privado assinado, que não pode passar por cima da tradição.

“Ah, mas o contrato faz lei entre as partes!” Quero que as leis se lixem. Afinal de contas, aqui é Brasil, e o que vale é o resultado do campo, independentemente de como foi atingido.

Falem a verdade, não seria o máximo se o pó de arroz fosse proibido para sempre? Pelo menos eu não iria me irritar mais com este talco em finais contra o Flamengo. Torcidinha mais arrogante… Ficam cheios de si, só porque o vermelho e preto treme todo na frente deles quando chega na hora do vamos ver.

Enfim, perdemos a chance de derrotar estes tricolores. Já se acham os melhores por serem o berço do futebol, único time detentor de uma tal de taça olímpica, criador da seleção brasileira, campeão carioca do século XX, tetracampeão brasileiro, campeão mundial, berço de inúmeros craques, e agora, ainda vão ficar jogando para o alto este talco perigoso e venenoso.

Este é o país em que vivemos. RIP Brasil!”

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Esta é uma obra de ficção. Este “jornalista” obviamente não tem paralelo com a realidade. Seu depoimento fictício foi baseado em alguns argumentos utilizados pela parte contrária no processo do pó de arroz, que tive acesso nesta tarde, além de outros fatos históricos de conhecimento comum.

Escrevo esta coluna como uma homenagem aos tricolores Gustavo Albuquerque, o grande Flupress, e Gabriel Machado.

Falo aqui também como colega de profissão dos dois. A ação foi muito bem escrita e fundamentada, e com o equilíbrio perfeito entre a técnica jurídica e o emocional que a matéria exige.

Desde a defesa técnica da utilização do pó de arroz, até o enquadramento nos requisitos da ação popular, passando pela didática das petições, tudo foi feito com um cuidado e uma competência de se tirar o chapéu.

Além disso, a ação foi feita de forma totalmente altruísta, em nome apenas deste amor ao Tricolor que move a todos nós.

E não foi um processo simples, muito pelo contrário. A Procuradoria Geral do Estado tentou o tempo inteiro cassar a decisão antecipatória de tutela obtida, e depois procrastinou o feito por quase 6 anos, sob a alegação de que um acordo estaria sendo costurado entre os órgãos competentes para regular a utilização do pó de arroz.

As alegações finais dos nobres tricolores, em especial, foi uma obra prima, que deveria ser lida e relida em todos os programas esportivos deste país.

Nestas horas nós vemos como nossa torcida é diferenciada.

Enquanto uns tem blogueiros que só querem saber de galhofas, como dar nomes sem graça e atacar seus adversários, a nossa tem outros que brigam de forma extremamente competente por interesses que deveriam ser também de nossos dirigentes, chegando ao ponto de obter vitórias como a de quarta-feira.

O que me entristece muito, é ver que tudo isso foi feito sem qualquer apoio das diretorias tricolores, que pareceram omissas desde a proibição em 1999, até o resultado final da ação em 2015. Uma pena que nosso clube seja gerido há décadas sem valorizar suas próprias tradições.

Gustavo Albuquerque e Gabriel Machado merecem, no mínimo, uma honraria do clube pela conquista.

Tenham certeza que vocês orgulharam bastante a torcida tricolor em todo Brasil.

Abs,

Alan Petersen