A qualidade do futebol brasileiro e Xerém




Estimados Tricolores,

No meu primeiro texto falei dos impactos da espanholização nos clubes. No segundo abordei a importância dos programas de sócios torcedores. E neles comentei muito sobre o impacto no nível dos jogadores e elencos. Hoje vou focar nisso: a qualidade do futebol brasileiro.

Apesar de saudosista não gosto muito de ficar comparando épocas. Os craques de antes seriam craques hoje. E os craques de hoje, como o Messi por exemplo, seriam craques em outras épocas também. O que talvez não tivessem seria o marketing excessivo que vemos hoje em dia. Aceito que o marketing é parte do negócio. Futebol é hoje mais que um entretenimento, é um negócio que movimenta bilhões. E o marketing é peça fundamental nessa estratégia. Mas acho que o marketing excessivo esconde a verdade e cria ufanismos maléficos.

No entanto, dito isso, é fato que no passado tínhamos no Brasil muito mais craques. Fica difícil entender em que momento perdemos isso. Mas foi um processo longo. Tenho a impressão de que a derrota na Copa de 1982 foi o estopim para o fim do nosso futebol. Aquela seleção encantou o mundo. Faz alguns dias estava almoçando com um amigo colombiano e ele escalou a seleção de 82 em detalhes. Conhecia todos os jogadores. Funções, estilos, quem era bom, quem era ruim. E disse que a partir dessa Copa ele passou a torcer tanto para o Brasil como torcia pra Colômbia. Mas que não entendia como de repente nosso futebol secou.

Muita gente fala que apenas temos uma safra ruim. Talvez. Mas será que a origem de tudo vem do péssimo trabalho na base? Depois de 82 jogar bonito virou sinônimo de fraqueza. O que importava era ser competitivo. Perdemos com isso nosso estilo. O brasileiro sempre foi um jogador criativo, como o nosso povo é. Sempre foi de jogadas geniais e inesperadas. Já os europeus sempre se caracterizaram pela força, disciplina e conjunto. Via a entrevista de um alemão e ele dizia que aqui, mesmo na atual safra ruim, juntamos um grupo e em duas semanas temos uma seleção que joga de igual pra igual com a maioria das outras seleções tops. Vide o time do Dunga conseguir ficar 10 jogos invicto, mesmo tendo enfrentado Argentina e Colômbia. Já na Alemanha, eles precisam planejar e não podem perder um jogador sequer. Trabalham como linha de produção.

Então com a definição de que teríamos que ser mais competitivos e menos “showman”, isso depois de ganharmos três mundiais, houve uma mudança na base também. A base ao invés de ser formadora de talentos e celeiro de craques para o profissional, passou a pensar primeiro em ganhar. Era importante ganhar títulos desde o fraldário. Consequentemente os mais fortes começaram a ser priorizados, já que na base a força faz diferença. Em paralelo começou um movimento de improvisação no profissional. Enquanto na Alemanha meias eram recuados para posição de volantes para melhorar o passe e a saída de bola, no Brasil, zagueiros eram avançados para volante para melhorar a marcação, volantes um pouco mais habilidosos eram avançados a posição de meia e meias viravam atacantes de lado de campo. Temos vários exemplos: Edmundo, Marcelinho, Edmilson, Edílson. Com isso o meio campo foi sendo dominado por brucutus que não conseguem acertar um passe de meio metro. Os meias deixaram de fazer o básico que era armar o jogo e entrar na área para ajudar a fazer gols. Nosso estilo virou burocrático e chato. E a imprensa e os “professores” martelando na cabeça dos jovens: tem que ser competitivo, tem que marcar, tem que pegar!

Xerém tem sido uma exceção nos últimos anos. Me lembro que desde que foi formada a comissão permanente em 2007 e contratamos vários profissionais de outros centros, a filosofia na base mudou um pouco. Começamos a trazer jogadores com características que se adaptassem a posição em que jogariam. O baixinho habilidoso e rápido reconquistou seu espaço. O meia de verdade reapareceu. O resultado desse trabalho podemos ver agora. A geração sub 17 depois de se destacar em 2013 e 2014, agora começou a trazer frutos. Temos dois meias de verdade aparecendo ao mesmo tempo, Gérson e Robert (uma geração a frente). Um zagueiro que sabe sair jogando, habilidoso e calmo mas sem perder o vigor e a força na marcação, Marlon. E um atacante forte mas habilidoso e rápido, o Kennedy.

Os clubes brasileiros precisam voltar a investir na formação de craques. Não pode um jogador chegar nos juniores sem saber o básico, fundamentos, balanço ofensivo e defensivo, passes, etc. E talvez, um sonho dourado, com o dinheiro dos programas de sócio torcedor e com o bloqueio a espanholização, segurar por mais tempo os destaques da base. Eles precisam amadurecer. Subir no tempo certo, jogar no profissional até 23, 24 anos, e aí sim sair do país. Precisamos para recuperação do futebol brasileiro que isso aconteça. E para conseguir isso precisamos de clubes saneados financeiramente e bem administrados. Clubes fortes que sejam capazes de oferecer boas condições de trabalho e salários interessantes. Futebol pode ser entretenimento, negócio e competição ao mesmo tempo. Basta ser inteligente.

Danilo Fernandes