JOGOS MEMORÁVEIS – Fluminense 3 x 1 São Paulo: O retorno do gigante!




Fluminense 3 x 1 São Paulo. Fonte Globoesporte.com
Fluminense 3 x 1 São Paulo. Fonte Globoesporte.com

Amigos, tenho 34 anos de idade e cerca de 28 anos de arquibancada. Com seis anos de idade, meu pai já me carregava para o Maracanã, ou para a saudosa Laranjeiras, para ver o único Tricolor em ação.

E diante de tudo isso, posso afirmar de coração, que nunca me emocionei tanto com um campeonato, como na Libertadores de 2008.

Eu não chego ao ponto de afirmar, como fazem alguns torcedores, que a derrota para a LDU foi o meu pior momento como tricolor.

Isto porque, apesar de toda a decepção e tristeza que passei naquela madrugada de 03.07.2008, havia um orgulho, lá no fundo, do lindo campeonato que fizemos.

Esta Libertadores, apesar de ter batido na trave, foi o símbolo da retomada definitiva do Fluminense, ao lugar que lhe pertence no futebol brasileiro, como seu maior protagonista.

Além disso, eu passei por 1996, 1997, 1998 e 1999. Eu sei o que são trevas. Eu sei o que é ser tricolor, apegado apenas em histórias de glórias que ficavam no passado.

Os mais novos, que cresceram em meio a título da Copa do Brasil, finais de Libertadores e Sulamericana, e dois títulos brasileiros, não fazem ideia do que é ter seus 14, 15 anos, e ter que estudar bastante a história do clube, para poder argumentar com seus colegas de escola, torcedores rivais, em defesa do Tricolor. E espero, do fundo do coração, que nunca façam esta ideia.

Eu cresci sabedor do tamanho do Fluminense pelo que eu lia, estudava, e ouvia de histórias. Mesmo que os fatos recentes tentassem me provar o contrário.

E então, vieram os anos 2.000. O Fluminense retornava à primeira divisão, mas sempre batendo na trave.

Tivemos os títulos cariocas de 2002 e 2005, mas isso ainda era pouco pra mim. Como as minhas primeiras lembranças do futebol são exatamente no ano seguinte ao período vitorioso de 1983-1985, passei por um longo período de jejum, que só títulos grandes poderiam amenizar, com o devido hiato apoteótico do gol de barriga em 1995.

Me lembro de uma viagem minha a Argentina em 2005, ocasião em que visitei a Bombonera. Sentado naquelas arquibancadas vazias, fiquei imaginando como seria aquele estádio cheio, e ainda comentei de canto com o meu pai: “se um dia o Flu vier jogar aqui, capaz de tomar uma lavada”. Ah, como a juventude pode ser equivocada e imediatista!

E veio a Copa do Brasil em 2007. Eu estava lá em Floripa naquele 6 de junho. Enfim, eu assistia in loco a um título nacional do Fluminense. 23 anos de espera, 21 anos de arquibancada. E, finalmente, eu sentia o início da recompensa por tudo o que passei na década de 90.

Mas isso ainda não era suficiente para mim. Não estou aqui querendo subestimar a conquista. Foi enorme, sofrida, desacreditada, enfim, tudo de acordo com a história tricolor. Mas eu queria mais.

Durante a campanha, não eliminamos nenhum dos chamados “grandes”. A partir das oitavas de final, eliminamos o Bahia, Atlético Paranaense, Brasiliense, até chegarmos à decisão contra o Figueirense. Não são times do primeiro escalão do futebol brasileiro.

Isto diminui de alguma forma a nossa conquista? Claro que não! Se os outros não chegaram, nada posso fazer.

Mas ainda faltava algo para recuperar meu orgulho. Faltava ainda uma batalha épica, contra um grande adversário.

Os próprios títulos de 2002 e 2005 haviam sido conquistados em cima de times pequenos (Americano e Volta Redonda).

E então, chega a Libertadores de 2008. Ali, eu pude ver diante dos meus olhos, nos sete jogos que tive o prazer de estar no Maracanã, aquele Fluminense que eu lia nos livros antigos, e que eram exaltados pelo meu pai.

Ali eu senti o que um historiador sentiria diante de um Napoleão, Getúlio Vargas ou Tiradentes. Eu, enfim, via o Fluminense que eu tanto sonhava. Gigante, temido, admirado e o único assunto em todo o país.

E a torcida tricolor sentiu o momento. Eram festas apoteóticas, de uma energia indescritível. Qualquer ser vivo que adentrasse o Maracanã em uma daquelas festas concordaria que o Fluminense é o maior clube de futebol do mundo. A atmosfera era completamente exuberante e contagiante.

No primeiro jogo em casa, um espetáculo à parte. 6×0 em cima do Arsenal, e uma atuação coletiva fantástica, uma das maiores que já presenciei.

 Na sequência, o Fluminense se classifica com a melhor campanha da competição, mesmo caindo no grupo da morte, eliminando depois o Atlético Nacional da Colômbia nas oitavas com duas vitórias.

E chega o São Paulo.

Eu vou tentar contextualizar o que representava o São Paulo na época para o futebol brasileiro, já que alguns leitores ainda eram muito novos.

O São Paulo era o atual bicampeão brasileiro (2006 e 2007), contava com o maior número de títulos brasileiros antes da unificação (5 títulos) e era o brasileiro com mais títulos da Libertadores, sendo a última em 2005 (as outras foram em 1992 e 1993). Tinha o técnico mais badalado do Brasil (Muricy Ra”tão”malho) e era modelo de organização no nosso futebol.

Resumindo, o São Paulo era o Fluminense que eu lia nos livros! O time a ser batido no futebol brasileiro!

Quando anunciado o confronto, toda a imprensa tratava o embate como favas contadas. Era o “maior time do Brasil” na época contra o “ex- série C”. Era o “maior brasileiro” na Libertadores, contra um time “sem qualquer experiência” na competição. Era o “TRICOLOR” contra o “tricolor”. Mal sabiam eles que o Fluminense não se compara a nenhum time. É único. O único Tricolor do Brasil, gigante por sua própria natureza.

Como o Fluminense tinha a melhor campanha, a primeira partida aconteceu no Morumbi, no dia 14.05.2008. O placar final, de 1×0 para o São Paulo, não traduziu o massacre paulistano que foi a partida.

Apesar de não termos marcado o gol fora de casa, as circunstâncias nos fizeram sair deste jogo achando que estávamos no lucro, e que seria possível reverter o placar no Maracanã.

Do lado paulistano, o otimismo era indisfarçável. Ninguém acreditava que o esquadrão são paulino seria capaz de sucumbir diante de uma equipe inexperiente em Libertadores, possuindo a vantagem construída em casa, sem levar nenhum gol. Resumindo, achavam que, na hora da verdade, o Fluminense ia tremer.

Mas o que eles não percebiam, era que o Fluminense tinha um grande time: Thiago Silva, Gabriel, Arouca, Thiago Neves, Cícero, Conca, Washington, Dodô. E o maior craque de todos, uma torcida alucinada, inebriada com a atmosfera criada no Maracanã, e que tinha absoluta certeza do triunfo final.

Chega o dia 21 de maio de 2008. Como em todos os jogos, me dirigi com bastante antecedência ao estádio. Segui meu ritual de entrar logo, e já tentar sentir como estava a energia dentro do Maraca.

No antigo Maracanã, eu assistia todos os jogos importantes do lado oposto da torcida tricolor,  nas arquibancadas amarelas do lado direito das cabines (nosso atual lado). Além de ser um pouquinho mais vazio (sempre fui um pouco avesso à multidões), eu conseguia ver todas as lindas festas organizadas pela Legião de frente. E como sempre fico muito nervoso, assistia aos jogos do último degrau da arquibancada, pois lá eu conseguia ficar em pé, andando de um lado para o outro, sem nenhuma cadeira para me atrapalhar. Este foi um dos prazeres que a configuração do Novo Maracanã me tirou.

E naquele dia, lá estava eu. No lugar de sempre, com a minha camisa branca de mangas compridas do título da Copa do Brasil de 2007. E minha bandeira tricolor.

O jogo começa, e o Fluminense parte alucinadamente para o ataque. Aos 13 minutos, Junior Cesar bagunça a defesa do São Paulo e bate cruzado para a área. A defesa corta para cima, e Cícero ganha a disputa de bola de cabeça, que sobra para o Coração Valente, tocar meio que com o lado de fora do pé direito, meio que com a canela para o gol. 1 x0 Fluminense. Com menos de 15 minutos, o Flu alcança o placar que levaria o jogo aos pênaltis.

A partir daí, o jogo fica bastante nervoso. Conca acerta a trave de Rogério Ceni, e no rebote Thiago Neves perde grande chance de cabeça, com o gol quase vazio. O primeiro tempo termina mesmo 1×0.

No intervalo, o sentimento de todos na arquibancada era que precisávamos de mais gols. Não que não confiássemos na nossa zaga, liderada pelo Thiago Silva, mas porque o nosso cabeça de área era o Ygor (junto com o Alê, talvez o maior desgosto que tive no Fluminense). Além disso, nosso goleiro era o Fernando Henrique que, apesar da boa Libertadores, nunca suscitou plena confiança da torcida.

Começa o segundo tempo e o Fluminense segue bem no jogo. Conca recebe na área e bate rápido. A bola passa rente a trave de Rogério Ceni.

O São Paulo, então, cresce no jogo. Aos 25 minutos, após algumas chances criadas, Aloísio dá um corte seco em Ygor (o mesmo corte que Ygor levou contra o Boca e a LDU), e cruza na cabeça de Adriano, que sozinho empata o jogo.

Agora o Fluminense teria pouco mais de 20 minutos para fazer dois gols, caso contrário o classificado seria o São Paulo.

Mas a torcida tricolor não teve nem tempo para lamentar. Logo no reinício da partida, Conca lançou Dodô que tinha acabado de entrar. O ex-são paulino bateu fraco no canto esquerdo de Rogério Ceni, que aceitou. 2×1 e torcida devidamente incendiada.

A partir daí, o que aconteceu é história.

Do último degrau da arquibancada, eu não conseguia piscar. Olhava em volta do estádio, e via uma torcida apaixonada, vibrante, e com a certeza de que o gol sairia nos últimos minutos.

O Fluminense se lançava desesperadamente para frente e cedia contra ataques ao São Paulo. O jogo ficou aberto. Gabriel e Thiago Neves quase marcaram para o Flu, mas o gol teimava em não sair.

Enquanto isso eu, que tinha uma cabeleira enorme, fazia a promessa de raspar o cabelo com máquina quatro em caso de classificação. A cada cinco minutos passados eu diminuía o número da máquina, até chegar ao zero.

A pressão Tricolor aumenta. Até que aos 45 minutos, Alan dá um balão desesperado para área. Após confusão na área, o Flu ganha o escanteio.

Neste momento, eu me ajoelhava no último degrau do estádio. Enrolado na bandeira, pedia pelo gol salvador. Ao meu lado, um senhor de uns 70 anos, dizia que o gol sairia naquele escanteio.

Eu tenho gravada na minha memória a imagem do Thiago Neves partindo para a bola, e colocando na cabeça do Coração Valente. Ali, na minha frente, vi ele subindo mais alto que a zaga, e estufando a rede São Paulina.

Eu só conseguia correr por trás da arquibancada de felicidade. Dei um beijo na testa do senhor que previu o gol, e combinei: no próximo aqui de novo. Ele não apareceu. Talvez fosse o Gravatinha materializado, para nos informar o que aconteceria. Eu não sei.

Quando acabou o jogo, demorei um tempo para sair do estádio. Precisava ficar ali, olhando para o campo, tentando acreditar que aquilo tudo de fato acontecia.

Lá de cima, vi o Renato sentado no meio do campo, fazendo o mesmo.

Enfim, eu não dependia mais dos livros. Eu não dependia mais das histórias. Eu estava participando da história. E, no dia seguinte, também já não tinha mais cabelo.

O resultado final daquela Libertadores não nos interessa mais.

Nunca chorei tanto quanto naquela madrugada de 03 de julho. Sentei no chão de um posto de gasolina após a partida, e lá fiquei por cerca de 1 hora. No dia seguinte, não consegui trabalhar, nem sair do quarto. O dia todo.

Mas depois de alguns anos, e de tudo o que passamos, pude perceber que consegui sair de casa, e encarar o mundo novamente, “apenas” para ser bicampeão brasileiro. E para viver tudo o que eu lia nos livros quando era adolescente.

O Fluminense reassumiu o seu lugar de direito naquela Libertadores. E principalmente nesta vitória.

Somente um clube merecia ser campeão em 2008. E, se o Fluminense não tem até hoje o título sul-americano, pior para a Libertadores.

Em 2008, a Libertadores poderia ter entrado para a história, com o maior campeão de uma edição. Mas como somos únicos, ficará para sempre apenas na história do Fluminense.

Abs,

Alan Petersen