O crepúsculo do ídolo




Fred (Foto: Marcelo Gonçalves / Fluminense F.C.)

Não. Este texto não é uma ode ao polêmico ”O crepúsculo dos ídolos”, obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que, à base de suas famosas ”marteladas”, buscou estremecer os alicerces da cultura ocidental moderna. Não! Estamos aqui para falar de um assunto muito mais importante. Amanhã, chega ao fim a carreira de Frederico Chaves Guedes, um dos maiores jogadores da história do Fluminense Football Club. ”Um ícone”, segundo Paulo Vinícius Coelho; ”um ídolo”, segundo a torcida tricolor. Independentemente do adjetivo escolhido, uma pergunta se faz presente: quais fatores influenciam na gênese de uma figura tão emblemática?

Antes de mais nada, é importante destacar que Fred, talvez, seja o último exemplar da safra de ídolos reais, cujas imagens não foram fabricadas por assessores ”limpinhos”, que, mergulhados na pragmática missão de vender um produto, dissolvem personalidades e transformam identidades singulares em pó. Essa padronização comportamental de figuras públicas gerou ídolos passageiros, descartáveis. Para a nossa sorte, Fred não é mais do mesmo. Nunca foi.

Assim como a vida de um torcedor não é feita apenas de alegrias, uma idolatria não se constrói somente com títulos. Há jogadores extremamente vencedores que jamais verão nascer o sol da imortalidade sobre suas carreiras. Nunca serão o que o nosso eterno camisa 9 se tornou. A idolatria prescinde de elementos que só uma personalidade complexa pode oferecer. Nessa receita, a originalidade é essencial. Desde o corte de cabelo até a maneira de comemorar os gols; desde a forma de falar até o modo de se movimentar em campo; nenhum traço do nosso capitão é comum, ordinário. Tudo em Fred é extremamente…Fred.

Soma-se a isso a incrível capacidade de gerar momentos inesquecíveis – dentro e fora de campo -, fator preponderante para fomentar uma verdadeira e duradoura idolatria. A lista de momentos icônicos protagonizados por Fred é riquíssima: teve entrevista coletiva para apresentar a conta de um restaurante após ser perseguido e acusado por torcedores de ter consumido 60 capisaquês na noite da Zona Sul carioca, marcou gols importantíssimos que salvaram o Fluminense em 2009, viralizou com um vídeo em que beijou uma motociclista no trânsito do Rio de Janeiro  – ”ou alguém já esqueceu do eterno: ”você faz o que além de sucesso?” -, foi artilheiro e o melhor jogador no tetracampeonato brasileiro em 2012, deu entrevistas malcriadas, teve rusgas com treinadores e membros da diretoria, fez gols decisivos em Fla-Flus e foi a estrela principal de um dos momentos mais emocionantes da história do Maracanã, durante o jogo contra o Corinthians no último final de semana etc.

Em suma, ao longo dos anos, o artilheiro desenvolveu o poder de incutir no imaginário coletivo situações memoráveis  Fred conciliou originalidade com a habilidade de criar narrativas extraordinárias – ora por causa de seu assombroso talento, ora por causa de sua singular personalidade, ora por causa do completo acaso. O fato é que ele se tornou um ídolo com todos os vícios e virtudes que caracterizam qualquer personagem de carne e osso. Um ídolo orgânico e acessível.

Fred viveu intensamente cada minuto de sua carreira de atleta profissional de futebol. E nós, torcedores, vivemos juntos. Acompanhamos a novela da vida real atentamente. Amanhã, no Maracanã, nas casas e nos bares, tricolores se unirão para acompanhar o último capítulo. O crepúsculo do ídolo, enfim, chegou. E, olhando para trás, tudo valeu a pena. Rimos, torcemos, comemoramos, choramos, criticamos, defendemos e saboreamos cada minuto desta relação ímpar, incomparável.

Ao contrário do Campeonato Carioca, que, segundo Fred, ”deveria acabar”, a carreira do eterno capitão tricolor poderia durar para sempre. E, pensando bem, talvez dure. Afinal, os gols, as polêmicas e os títulos jamais serão apagados. Estarão para sempre guardados em nossas memórias e presentes em nossos corações.

Que Don Fredon receba todas as homenagens possíveis. Ele conquistou este direito à base de muitas lágrimas, suor e sangue. Sangue tricolor!

Agora, mais do que nunca, podemos cantar:

”Fred pode surfar, Fred pode surfar…”

Saudações Tricolores

Renan Reis

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