O primeiro passo é o futebol bem feito




Foto: Lucas Merçon / Fluminense F.C.



Nosso Fluminense é um gigante atolado em lama. Desde o fim da parceria com a Unimed, lutamos ano após ano contra um rebaixamento que, desde 2018, se tornou um risco à solvência. 

É um equilíbrio delicado: se cairmos, diminui drasticamente a receita de televisão – a nossa mais importante; por outro lado, o peso da dívida gigantesca, resultado de décadas de má gestão, dificulta demais a montagem e a manutenção de um elenco capaz de alcançar resultados satisfatórios. Fora de campo, resta vender a janta para pagar o almoço. 

Mas, para um clube gigante, a mera luta pela sobrevivência não pode bastar. Precisamos reencontrar o caminho do protagonismo. 

Há um horizonte, precisamos iniciar um ciclo virtuoso no futebol. Não tem mistério: (1) um time bem montado traz bons resultados, que (2) geram mais dinheiro (sócios, bilheteria, premiações, venda de jogadores valorizados), e assim pode (3) investir em uma equipe melhor, recomeçando o ciclo. Mas qual é primeiro passo?

Recentemente, testemunhamos diversas tentativas no futebol brasileiro. Alguns clubes começaram pela parte do “investir em uma equipe melhor”. É o caso do Cruzeiro em 2017/2018. Por lá, o investimento foi tão grande que nem o retorno trazido por dois títulos da Copa do Brasil puderam conduzir os mineiros a um patamar financeiro saudável. Muito pelo contrário, veio crise financeira, incapacidade de pagar salários e queda de divisão.

No Fluminense, aconteceu algo parecido. Em 2015/2016, nomes como Henrique, Cavalieri, Cícero, Marquinho, Osvaldo, Diego Souza e tantos outros eram incompatíveis com a nossa capacidade financeira, findada a parceria com a ex-patrocinadora. O plano deu totalmente errado: o time não correspondeu e a conta é paga até hoje.

Também teve clube que foi por essa direção e se deu bem: o Palmeiras de 2015/2016, mas isso só foi possível com empréstimos de quase 150 milhões do presidente da época, Paulo Nobre. O Galo parece tentar algo parecido em 2020, também com aportes de mecenas, algo com o que não podemos contar.

Por outro lado, Grêmio e Athletico preferiram começar da parte do “time bem montado”. Os elencos vencedores desses clubes foram construídos ao longo de anos, com investimento tímido. 

O Grêmio dos últimos anos teve destaques vindo da base (Luan, Arthur, Cebolinha, Matheus Henrique, Jean Pyerre), se notabilizou por recuperar jogadores em baixa (Cortez, Léo Moura), e contratou apostas certeiras (Michel, Léo Gomes, Geromel, Kanemann). 

No CAP campeão da Sul-Americana de 2018, foi parecido: Neto, Renan Lodi, Léo Pereira, Robson Bambu e Pablo vieram da base; Lucho Gonzalez, Thiago Heleno e Jonathan vieram em baixa e foram recuperados; Bruno Guimarães e Rony foram contratações certeiras, de baixo custo.  

Esse é o caminho para nós. O primeiro passo é jogar bola, montar um bom time, aprimorado ano a ano, sem loucuras. A partir daí, poderemos avançar, degrau por degrau. 

Beleza. E dá para começarmos em 2020?

Abaixo, coloquei os 25 titulares e reservas mais relevantes do Flu desde 2018 (primeiro ano que nos planejamos sabendo do caos econômico deixado pela gestão Peter Siemsen), à época da rodada inicial do Brasileirão de cada ano:

2018

Julio Cesar, Renato Chaves, Gum, Ibanez, Gilberto, Richard, Jadson, Sornoza, Ayrton Lucas, Marco Junio, Pedro. (Rodolfo, Reginaldo, Frazan, Airton, Léo, Mateus Norton, Douglas, Luquinhas, Marlon, Pablo Dyego, João Carlos. Ainda havia Matheus Alessandro, Robinho e Calazans, ainda se recuperando de duas cirurgias nos ligamentos do joelho).

2019

Rodolfo, Gilberto, Nino, Ferraz, Caio Henrique, Airton, Bruno Silva, Ganso, Luciano, Pedro, Everaldo. (Agenor, Ezequiel, Digão, Frazan, Mascarenhas, Allan, Dodi, Danielzinho, Marcos Paulo, Yony, João Pedro. Ainda havia Léo Artur, Pablo Dyego e Ewandro).

2020

Muriel, (reforço), Nino, Ferraz, Egídio, Hudson, Yago, Dodi, Nenê, Marcos Paulo, Fred. (Marcos Felipe, Julião, Digão, Luccas Claro, Orinho, Yuri, Ganso, Michel Araújo, WS, Evanilson, Pacheco. Ainda temos Miguel, Caio Paulista e Felippe Cardoso).

Em termos de elenco, me parece claro que o de 2018 era o pior, disparado. Jogadores como Jadson e Richard eram titulares absolutos; outros como Norton, Luquinhas e Pablo Dyego eram opções recorrentes. 

O de 2019 me parece melhor que o atual. Contudo, o ano fracassou por vários motivos que não parecem mais estarem presentes: i) nenhum goleiro minimamente confiável, ii) o trio de ataque titular (Pedro, Luciano e Everaldo) saiu com pouquíssimas partidas, iii) vários jogadores estreantes na série A, iv) elenco reconstruído ao longo do ano, com várias rodadas testando formações, v) ambiente político e vestiário conturbados.

No ano atual, o plantel me parece mais equilibrado. Com vários problemas, claro. Muitos veteranos, algumas incógnitas. Mas a grande maioria já foi testada em alto nível. Há jovens que podem evoluir muito ao longo da temporada, mas dessa vez eles são menos essenciais (como seria caso Caio Henrique, Nino, Allan, Marcos Paulo e João Pedro não engrenassem de cara? Muito pior que se ocorrer com Araújo, Pacheco, Miguel, Evanilson e os moleques do sub-23). E há menos elos fracos. Por último, poucos dos concorrentes começarão o Brasileirão jogando bem.

Penso, portanto, que teremos um ano mais tranquilo que os últimos. Isso será suficiente para conseguir algo relevante? Pode ser, mas precisaremos melhorar muito em relação ao que apresentamos até agora.

Significa que estamos na direção correta? Penso que houve uma evolução ano a ano desde 2018, mas falta um pouco de ousadia. Para além de qualificar o elenco, precisamos desenvolver uma identidade. 

Em campo, uma filosofia de jogo que seja aperfeiçoada ano a ano, permitindo que queimemos etapas nas preparações dos times. Valorização da base, tentativa de manutenção dos bons valores e fazer times jovens. Fora dele, profissionalismo, como defendi no último texto da coluna, sobretudo no departamento de futebol e monitoramento de atletas; dedicação total ao torcedor, inclusive o de baixa renda. Assim se desatola o gigante.

VENCE O FLUMINENSE!

PS: digitei o texto antes da notícia da venda do Gilberto. Contudo, o raciocínio não muda. Que encontremos um substituto à altura.

Tarik Moussallem