O tricolor tibetano




Foto: Vinicius Toledo / Explosão Tricolor

 O tricolor tibetano (por André Lobão)

Um jogo de futebol para grande parte dos torcedores sempre envolve situações de ansiedade, tensão, alegria e frustração. Numa só partida você pode estar sujeito a passar por todas essas emoções, com o cortisol (hormônio do estresse), passando do limite. E estar presente num estádio de futebol para assistir uma partida do Fluminense, em especial, proporciona o limite da inconstância emocional. É uma verdadeira montanha-russa.

Eu mesmo já vivi situações de rir e chorar ao mesmo tempo, após um gol, um apito final de um título. Quem é das antigas viveu isso no gol de barriga de Renato Gaúcho, naquele que talvez seja o título mais emblemático da história do tricolor, naquele Fla x Flu de dezembro de 1995. É inegável que muitos torcedores e torcedoras já passaram por isso.

Já há mais de 40 anos começamos a entoar o nosso tradicional “A bênção João de Deus”, um hino louvor católico dedicado ao Papa João Paulo II quando este em visita ao Brasil em 1980, ganhou de presente uma camisa do Fluminense. Assim, João Paulo II se tornou padroeiro do Flu, e nos momentos difíceis ele é lembrado através de seu hino em nossas arquibancadas para nos tirar do sufoco. E na partida contra o Fortaleza, a torcida tricolor mais uma vez apelou para a ajuda divina e Germán Cano empatou uma partida que parecia perdida, que nos levaria ao abismo do desespero da zona do rebaixamento.

Na arquibancada, no setor Sul, vibrei com o nosso primeiro gol. Porém, mais uma vez, o nosso time tropeçou em seu nervosismo habitual que desestabiliza emocionalmente jogadores e torcida. Ainda no primeiro tempo tomamos uma virada, e o clima era o pior possível. Comentei com um amigo meu que pairava uma nuvem de cargas negativas sobre o nosso time, tudo dava errado.

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Olhei à minha volta, no segundo tempo, e percebi que todos e todas estavam nervosos, e muitos em surto nervoso, socando e chutando cadeiras, xingando Martinelli, Samuel Xavier, Diogo Barbosa Mano Menezes e outros. O ambulante do chopp nesses momentos parece ser o salvador, e assim parece vender mais, a angústia com o time modorrento e errante me dá vontade de beber. Meu amigo Mário Gatti me passa um copão de chopp, que bebo em três goles, quase engasgo e a garganta aperta.

Penso: preciso me acalmar. Olho e na minha frente vejo meu amigo Eduardo Santos, impassível como um Bruce Lee e impávido como Muhammad Ali. Assim recorro aos versos da música “Um índio”, de Caetano Veloso, para descrever o que observei na arquibancada. Um torcedor na sua lucidez num momento de razão, em que o barco tricolor parecia afundar como um “Titanic”.

No dia seguinte, leio que um torcedor passou mal no mesmo setor Sul após o término da partida. Sérgio Souza Pinto, um tricolor apaixonado que infelizmente não resistiu. Toda solidariedade a sua família e amigos. “Tu vieste em missão de paz”

No decorrer do dia, no Instagram, vi a foto de uma mulher ajoelhada no corredor de acesso da arquibancada, durante o jogo contra o Fortaleza, que me fez refletir novamente. Penso nos meus amigos, João de Deus, nos caras jogando com a camisa do Flu, e no que o futebol representa para a minha vida. Lembro dos semblantes dos homens, senhoras, crianças e pessoas sozinhas e, principalmente, nos seus olhos. Durante a partida olhei para trás, observando aquele mar de gente torcendo pelo Fluminense, com seus olhos esbugalhados, expressando angústia, raiva, desalento e alegria na hora do gol de empate do Cano.

Quero ser como o Eduardo Santos, um tricolor tibetano.

Namastê, Fluminense

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