Profissionalismo no futebol e as decisões pontuais que importam




Foto: Lucas Merçon / Fluminense F.C.



Na era das redes sociais, as discussões tricolores tendem a ser polarizadas, em torno de ideias genéricas. Linhas gerais que o clube deveria seguir ou não, para voltar a ter destaque no futebol nacional. 

Elas são muito importantes. No meu último texto aqui da coluna, argumentei que tentemos manter treinadores por mais tempo, para que os trabalhos possam amadurecer e, assim, evitemos nos entregar à sorte de alguém encaixar o time logo de cara.  E defendo outras: desenvolver uma identidade de jogo ofensivo para o clube, dar  espaço para a base sistematicamente, privilegiar o fomento à paixão do torcedor mais que as vantagens dos sócios em relação aos não-sócios, fazer bons trabalhos no futebol com poucos recursos antes de investir pesado, entre outras.

Só que, na maioria das vezes, a execução da estratégia é mais importante que a orientação adotada. Não adianta nada seguir a linha geral da austeridade, mas, no único investimento relevante, trazer o Robinho, como fizemos em 2017. Ou seguir um perfil mais ousado, investir pesado para tentar compensar com bons resultados, mas alocar a grana em Henrique, Renato Chaves, Marquinho, Danilinho, Aquino e outros perebas, como fizemos em 2016.  

Não basta, portanto, só acertar a linha geral. Precisamos ter competência para acertar nos detalhes, nas decisões pontuais. 

Imaginem se, ao invés de contratar o Robinho, a gente tivesse quitado as pendências com o Scarpa. Ou se tivéssemos escolhido trazer o Rony, comprado esse ano pelo Palmeiras por quase 30 milhões, que à época era outro dos destaques da série B, no Náutico. A vida do tricolor não teria sido mais fácil? 

E se, naquele mesmo ano, nós tivéssemos optado por vender o volante Wendel no meio da temporada, ao invés do Richarlisson?

E em 2008, se decidíssemos ir pro Equador com mais antecedência, para que os jogadores se acostumassem melhor com a altitude antes do jogo de ida da final da Libertadores?

Lá no final de 2017, se optássemos por tentar encontrar novos clubes para Cavalieri, Henrique, Marquinho e outros ao invés de rescindir os contratos pelo WhatsApp, teríamos tido tantos problemas?

Se em 2012 enxergássemos mais qualidade no então lateral da base Fabinho que no Igor Julião, teríamos visto esse craque em campo com a nossa camisa? Se tivéssemos percebido também a bola de Bruno Guimarães, Igor Rabello, Marcelo Benevenuto e outros enquanto estavam em Xerém, teríamos tido times melhores nos últimos anos?

E se em 2019 percebêssemos no Carioca que nem Rodolfo, nem Agenor seriam confiáveis para o Brasileiro? E que o Evanilson, após ter sido artilheiro do Carioca Sub20, merecia ter o contrato renovado?

Em 2020, se decidíssemos que não era preciso forçar demais na preparação física para a estreia no estadual, teriam Evanilson e Marcos Paulo estado disponíveis para a ida da Copa Sul-Americana? Teríamos sido eliminados? E se o Fluminense optasse por diminuir unilateralmente os salários dos jogadores por conta da pandemia, como fez o Santos, não estaríamos vivendo um novo caos no vestiário?  

Peço perdão pela abundância de exemplos, que podem tornar a leitura maçante. Mas é que eles são necessários para entendermos o quanto pode valer cada uma dessas decisões delicadas impostas pelo futebol.

Reparem que, geralmente, as decisões não são fáceis. Adivinhar quem se tornará bom jogador e quem não vingará na base, por exemplo, é muitas vezes bem difícil. Não dá para acertar sempre, mas é urgente estarmos organizados para fazê-lo o máximo possível.

E aí, entra o profissionalismo. Lá atrás, quando surgiu o futebol, o jogo era disputado por amadores, aristocratas que jogavam por hobbie. A partir da legalização dos times profissionais, em 1875, os amadores passaram a não conseguir mais competir. É óbvio, os profissionais se dedicavam integralmente à atividade. Treinavam todos os dias.

Mas não é o que acontece com os dirigentes do futebol brasileiro. Por aqui, apesar de serem negócios que movimentam milhões, em geral quem faz a gestão é gente de outros ramos, que nas horas vagas se dedica aos clubes. 

Vejam o absurdo: ano passado, nós, milhões de torcedores apaixonados, ficamos à mercê de uma queda de braço entre um médico, ex-gestor de empresa de plano de saúde, e um advogado para decidirmos quem seria nosso treinador para uma reta final de Brasileiro, que podia ser fatal, financeiramente. Quantas outras decisões técnicas importantes ficam nas mãos do presidente e dos vices eleitos? 

O que sugiro, então, é que o clube invista em profissionalização. Não precisa de nenhuma revolução, mudança de lei, de estatuto, nada disso. Basta investir em gestores profissionais para todas as áreas, dar autonomia para eles tomarem as decisões que exijam conhecimento técnico, e tornar o processo transparente, para que o torcedor possa entender o trabalho desses profissionais e cobrar resultados. Certamente, o percentual de acerto tende a aumentar. 

Aliás, nós já temos até por onde começar: em 2017, a Ernest & Young fez uma consultoria ao clube, um estudo sobre a estrutura gerencial. Quais foi o resultado? Que sugestões acatamos? Por que não acatamos tudo? Esse estudo ainda existe? 

À chapa eleita pelos sócios, que se restrinjam as decisões políticas. Vamos tentar implantar uma filosofia de jogo a longo prazo ou ser mais pragmáticos e para melhorar os resultados no curto prazo? Vamos ser mais austeros ou ousados ao investir?  Isso é para quem foi eleito decidir.

Mas que as decisões técnicas sejam tomadas por profissionais. Chega de presidente ou vice presidente que escolham treinador, jogador, auxiliar, detalhes de campanha de marketing e estratégia de negociação. 

VENCE O FLUMINENSE!

Tarik Moussallem