Reciprocidade




Foto: Vinicius Toledo / Explosão Tricolor

Dentre os muitos desafios da vida, falar sobre nossos sentimentos figura como um dos mais árduos. Muito complexo tentar racionalizar as emoções, passar clareza na fala e transmitir ao outro exatamente nossas percepções tão íntimas (normalmente influenciadas por uma comoção intensa). Essa é a razão pela qual eu demorei tanto tempo para voltar a escrever sobre o Fluminense. O nível de amadurecimento emocional necessário para tentar ser minimamente sensato quando o assunto é o que mais amamos – e muitas vezes odiamos amar na mesma proporção – deve ser altíssimo. Admito não ter atingido essa maturidade, mas me silenciar em um momento onde falar e debater é necessário e vital para a nossa sobrevivência no cenário futebolístico nacional consegue ser ainda pior.

Isabelle Suarez

Dos possíveis tópicos para abordar, também é difícil escolher apenas um de maneira objetiva. Primeiro pela multidisciplinaridade de assuntos e conceitos que um mesmo tema abarca. Segundo pela urgência de se falar sobre tudo e mais um pouco, porque a conjuntura exige um verdadeiro choque de realidade. Como forma de começar minha (espero que longa) trajetória nesse site, gostaria de falar sobre a relação torcida e gestão – ou gestões? – do Fluminense.

Entre clichês como “o maior patrimônio de um clube é a sua torcida”, “torcedor está no direito de protestar” e “acabou o amor”, acredito na reciprocidade como base de todo e qualquer relacionamento. E hoje, no Fluminense, a ideia de corresponder na mesma proporção ao que se recebe de dedicação parece inexistente. Apesar da má fase – que já dura algum tempo e parece não ter hora pra terminar -, é possível ver os mesmos torcedores fiéis de arquibancada. Dentro da nossa realidade, os números não são tão ruins. A média de público não é das piores. Pelo menos não para o que nos é apresentado. E, ainda assim, nos desdobramos e mantemos essa unilateralidade de apoio, críticas e desejo de melhoria (fazendo a nossa parte).

Na última semana houve uma mobilização dos tricolores para aumentar o número de sócios, que surtiu efeito. O que (não) surpreende é o fato desse movimento ter surgido dos próprios torcedores. Belo e moral termos um time nessa situação e os veículos de comunicação extra oficiais do clube levantarem essa bandeira. Ainda mais incrível quando as pessoas abraçam a causa. O que me causa certa inquietude é não haver nada oficial neste sentido. Ou oficial, porém pouco efetivo. Já imaginou que sonho ter clientes que jamais se rendem aos concorrentes? Que, mesmo com um atendimento mediano para ruim, continuam comprando seus serviços e defendendo sua marca? Que estão extremamente insatisfeitos com o produto que compram, mas se recusam a mudar de fornecedor? Parece sonho, mas o futebol é isso. Não trocamos – ou pelo menos não deveríamos trocar – de time quando a situação está ruim. Podemos desanimar, mas abandonar não é uma opção.

Dentro dessa lógica de mercado invertida, o torcedor-consumidor deveria ser a pessoa que faz e acontece, que tem moral, que tem voz, que é escutada, que é levada em consideração na adoção de novas estratégias. Que entende seu papel de relevância na construção de um ambiente saudável, que, acima de tudo, é respeitado. E isso nada tem a ver com obediência ou poder. Tem a ver com a construção de uma relação humana, com a aproximação do clube, da gestão e do alto clero que, muitas vezes, é visto em um pedestal com as necessidades de quem advoga de graça para a marca Fluminense, mantendo fidelidade.

Isabelle Suarez