Demissão do Fluminense, críticas sobre montagem do elenco, balanço da 2ª passagem, queda de desempenho em 2024 e muito mais: leia a entrevista coletiva de Fernando Diniz




Foto: Conmebol



Demitido pelo Fluminense, Fernando Diniz concedeu entrevista coletiva nesta quarta-feira

Dois dias após ser demitido pelo Fluminense, o técnico Fernando Diniz concedeu entrevista coletiva na tarde desta quarta-feira. Confira abaixo todos os temas abordados pelo treinador:

Demissão do Fluminense

“Essa entrevista vai ser um pouco difícil para mim como nunca aconteceu na minha carreira. Sou tranquilo para dar entrevista, mas… (longa pausa e se emociona) Eu estou muito mexido ainda com minha saída do Fluminense, por todo que representou o Fluminense na minha carreira e tudo o que a gente viveu aqui. Então de uma maneira bem breve, é uma entrevista principalmente para me despedir da torcida. Já me despedi dos jogadores, dos funcionários do CT e da diretoria, queria também me despedir da torcida e de vocês, jornalistas, de uma maneira bonita como foi a nossa relação o tempo todo em que estive aqui. Em alguns momentos pode ser que seja difícil. Estão sendo dias bem difíceis para digerir e certamente vai passar e ficar todo mundo bem.

Peço desculpa pelo momento que a gente está passando de não conseguir vencer, mas nunca faltou entrega e coragem para fazer as coisas. O futebol para mim nunca foi mecânico, apartado da vida, do sofrimento, do choro e da alegria. Vou continuar assim, não vou me dobrar nunca ao sistema. Sofri muito quando eu jogava para ser quem eu sou. O sistema do futebol faz mal a muita gente. A minha vida no futebol é para deixar algo firme para que o sistema seja menos cruel.”

Guarda mágoa?

“Não tenho mágoa. A gente tem que devolver para a torcida coisas boas. Eles estão sofrendo. Gostam de nós, mas não gostam de ver o Fluminense assim. Tenho gratidão, conquistamos juntos, teve vezes que a gente se misturou com a torcida (se emociona). Para minha família também foi difícil. Sou grato por tudo, pelo que o Fluminense fez na minha vida, e queria ter feito mais, não queria ter saído assim, mas entendo as decisões. A vida vai seguir. Peço desculpas a vocês, a relação foi muito boa. Com exceção de alguns. Faço um agradecimento público aos funcionários, diretorias, jogadores.”

Futuro no futebol 

“Eu não pretendo trabalhar imediatamente, mas não sei se vou trabalhar esse ano. Eu preciso descansar um pouco. Estou muito mexido com o que aconteceu. É um sentimento grande de gratidão, pelo Fluminense. E um sentimento grande de tristeza, não queria que terminasse assim. Muita emoção vivida para mim e minha família. Vai ficar marcado, sou assim. Quis muito estar aqui de volta e tenho certeza que deu certo (volta a se emocionar).”

Balanço da 2ª passagem pelo clube

“O Fluminense foi um grande presente na minha vida. Nessa minha volta em 2022, a gente conseguiu juntos uma coisa muito importante para o clube, torcida e para mim. Foi um casamento. Se não foi perfeito, foi quase. Sempre tive conexão grande com o clube e torcida. Isso ninguém tira. Mesmo que tenha um movimento de baixa. Fica eternizado. Fica meu agradecimento.

A gente conseguiu chegar aonde o Fluminense merecia. De maneira especial, o título da Libertadores, a maneira como foi conquistado, um time que precisava muito disso, com um orçamento limitado para brigar por um título. Foi um feito histórico. A glória eterna, como tem a alcunha, mas a maneira como foi construído fica mais eternizado. O Fluminense chegou aonde eu gostaria e merecia.”

A quem é grato?

“Tanta gente para agradecer. Esse momento no Fluminense eu fiz um trabalho das coisas que mais acredito. Foi um trabalho de inúmeras mãos. Foi uma conquista da comunidade do Fluminense. Diretoria, funcionários, todos eles. O cara que arruma o campo, pessoas que recebem a gente no CT, staff permanente, meus companheiros da comissão, jogadores e torcedores. Existia uma conexão poderosa para que coisas lindas pudessem se tornar realidade. Todos participaram ativamente, com uma fatia grande de participação. Todos participaram de maneira ativa para conquistar o que conquistou.

O Fluminense tem muita sorte de ter o presidente que tem com todos os alcances e limitações. É um excelente presidente. O que fez com o Angioni, Fred, (Mattheus) Montenegro, (Marcelo) Penha. Quando pregou o clube em 2019, ninguém queria jogar no Fluminense. Ele reconstruiu e virou um clube mais sólido e responsável. É uma coisa pragmática. Teve uma evolução muito grande. É um clube harmonioso.”

O que mudou no Fernando Diniz na segunda passagem?

“Os resultados determinam muitas análises. Pessoalmente não vou mudar. Todo mundo quer resultado grande, para mim, me interessa o caminho e construção para o resultado grande. Os títulos iam chegar, mas não muda minha análise. Quando você consolida com títulos que marcam. Principalmente a Libertadores e não só. Recopa, a goleada sobre o Flamengo no domingo de Páscoa. Quem estava lá nunca vai esquecer.

Foi o primeiro (título) num grande clube. Marca muito e ratifica o que acredito. Vitórias e derrotas não determinam as pessoas. Quem vence para mim são as pessoas que trabalham muito, sonham, vão atrás, ajudam o outro. E quem ganha, muitas vezes não é assim, e para mim não faz sentido. Só conseguimos vencer porque o elemento da taça não foi o mais importante, mas a maneira de construir as relações humanas. Foi um momento de consolidação do que acredito.”

Sistema do futebol

“Os jogadores são os que mais sofrem. Vai passando o tempo, você ganha maturidade e suporta um pouco melhor. O sistema trata jogadores de 16, 17, 18 anos como se fossem capazes de suportar avalanche de superficialidade. Entram como bode expiatório de uma sociedade que quer extravasar as emoções e precisa encontrar culpados para viver melhor. Os jogadores não são treinados para suportar isso e tampouco vêm de famílias estruturadas para abastecê-los emocionalmente para suportar.”

Trabalho na Seleção Brasileira

“Fiquei triste, não esperava (a saída). Era um trabalho difícil de renovação. Fui julgado por seis jogos. Mas tinha muita confiança. Teve momentos de resultados ruins, mas sabia que ia trazer frutos bons, é uma convicção e era compartilhada internamente. A chance de dar certo era inexorável. A Seleção sempre morou em mim. Se um dia tiver que voltar, vai ser natural. Não foi obsessão, nunca tive plano de carreira. Se um dia for para estar lá, vai acontecer.”

Ponto altos e baixos

“As grandes vitórias, vou citar um jogador. O futebol como meio de transformação, posso falar do Arias. Era um menino com potencial imenso e cheio de dúvida sobre o próprio talento e sobre quem ele era. A vida da gente meio que vai se confundindo com o futebol. Em 2022, tive muitos embates com ele. Alguns oportunistas vão julgar como desrespeito. Tive embates para poder germinar. Não aparece na televisão, tem muitas conversas de carinho para ajudar. A fala dele em 2022, ele falou depois da oração: “Tenho que agradecer esse cara, olho no espelho e tenho orgulho de quem eu vejo”.

Esses títulos que vocês não veem ou reconhecem é minha maior função. Isso modificou a vida dele, a maneira como encara o mundo. Ele é uma pessoa inteira, bonita, e se vê capaz de jogar em qualquer lugar. Quando você tem pessoas assim, os títulos vão vir. Posso falar de muitos jogadores. É o trabalho que mais gosto de fazer. Desenvolvo o trabalho para os jogadores sintam prazer no futebol, retomar a essência de criança, e o futebol dar chance de mudar social e economicamente e a estima de si. Para que consigam viver bem depois do futebol.”

Teria feito algo diferente?

“Tudo certo para quem analisar racionalmente, vai achar que é tudo certo. Estar na zona de rebaixamento não é tudo certo. Falo na coisa essencial, deu tudo certo. O propósito de entregar a Libertadores. Nada ensina mais que a experiência. Sou cabeça dura com algumas coisas mas, quando aprendo, aprendo de verdade. Cometo muitos erros, mas sou transparente. Não escondo defeitos. No campo, é o melhor Fernando. Não tenho preocupação com julgamentos, sei o que estou fazendo e o meu chamado. A gente vai se corrigindo com nossas imperfeições. De fato, voltei com outras experiências. Tinha muita segurança para voltar, quando mandei mensagem para o Mario. “Está na hora de retornarmos, tem coisa inacabada.”

Disparidade financeira

“Não posso falar pelos outros. O resultado é importante. Eu tiro um pouco da importância do resultado, mas sou uma pessoa que trabalha muito para o resultado vir. Acho que o Fluminense só conseguiu ganhar por esse pensamento. Se entrar numa pressão por resultado, o Fluminense vai ter menos chance. Quem tem mais dinheiro vai ter mais chance de ganhar. O Manchester City teve um cara dos Emirados Árabes que colocou muito dinheiro. Trouxe o melhor treinador que achava e jogadores. Isso aumenta a chance de ganhar. Olha quanto tempo que demorou para ganhar a Champions. Tem muito dinheiro envolvido.

O Arias quando chegou aqui oscilava. Hoje é unanimidade, talvez o melhor da América do Sul. Com dinheiro, você contrata os melhores e tem chance de errar. O Fluminense tem limitação de orçamento. Quando vai analisar, você joga isso fora por causa dos grandes ídolos. Quem ganhou a Libertadores no Brasil com o orçamento do Fluminense? É como ganhar o Borussia do Real Madrid. O Fluminense é gigantesco, mas as condições não são iguais. O resultado vai obstruindo a racionalidade.”

Críticas sobre montagem do elenco

“Vocês têm falado constantemente: “O Fluminense montou elenco com a cara do Diniz”. Onde que tem isso? O elenco de 2022 eu não montei e a gente melhorou. Quem chegou em 2023 foi o Keno. Em 23, eu falei que o Arias, o Nino e o André não davam para substituir. Eu também tinha proposta para sair, mas nós ficamos. De 23 para 24, a gente tinha expectativa de sair o Arias e o André. Como vai repor? A gente perdeu o Nino, vai chegar o Thiago (Silva) no meio do ano. Eu pedi um jogador, o Luiz Henrique. O Mário fez de tudo nas condições que tem, e o Botafogo fez um estalo e levou para ser mais um lá. Não vai com o peso que teria aqui.

Essa é a realidade do Fluminense. Para o torcedor tudo bem, mas a gente que é pago pelo futebol… A torcida emprega vocês e a gente. Ele (Mário) não montou um time para mim. Fábio, Samuel, Marlon, Felipe, Marcelo, André, Martinelli, Keno, Ganso, Arias, Cano. Esse time não funciona na mão de qual treinador? No outro time: Guga, Calegari, Manoel, Thiago Santos, Andrade, Justen, Pires, Lima, Alexsander, Renato Augusto, Douglas, Kennedy, Kauã Elias. O que foi montado para mim? Não tem sentido. O time tem tudo. Dá para montar como quiser. É uma coisa que vai todo mundo falando, mas não pensa.

É difícil achar solução. Perdeu porque sai jogando, depois de 14 anos fazendo? Escuto isso desde 2009. Tem gente que fala como se fosse novidade. Ano passado não estava manjado? O jeito mais complexo é o nosso, tem variação na saída. Aposto na criatividade e na tomada de decisão dos jogadores, faz parte do processo formativo de liberdade para o jogador. Nunca falei para fazer bola curta, pelo contrário, contra o Flamengo falei para tirar de lá e fazer longa. A gente entra numa espiral irracional e às vezes fica achando problema onde não tem. Os problemas existem, falei alguns aqui e tem muitos outros. Por que ganhou ano passado? Porque tem muitas coisas que fez certo.”

Despedida dos jogadores tricolores

“Quando tem muita entrega e as coisas acontecem, as relações que cultivo são próximas. O John Kennedy e o Alexsander estarem lá, principalmente o John, qual é o preço disso? Ele já teria saído há muito tempo, desde que cheguei. Ele vai conseguir? Não sei, mas tem a chance de o futebol modificar a vida dele. Deu tudo errado? E o Alexsander. Recebi uma mensagem carinhosa da mãe dele agradecendo.

Envolve muito além da coisa prática. Para sair, é difícil. O fator fundamental para conquistar a América foi isso, é muito interesse em ajudar, emoção, coragem para entendimento, reconciliar internamente e com a torcida. Ano passado houve um movimento lindo para ganhar a Libertadores, uma coisa só. Foi uma conexão forte, de muitos fatores e muita gente.”

Pressão no futebol brasileiro

“No futebol brasileiro não existe longevidade, dizer que deu certo porque ficou muito tempo. É a conta inversa. Estreei com o Palmeiras na zona de rebaixamento. Subi para 13º. Tive três derrotas no caminho e teve questionamento, em uma semana. O Abel (Ferreira) não está lá porque é muito bom, e ele é muito bom, mas porque ele ganha. E o Palmeiras oferece condições plenas para ganhar.

É um cenário que facilita e o cara é muito bom. Só vai falar que é programático se ficar um ano e meio sem ganhar. Quem vai ficar no Palmeiras, Flamengo, Atlético-MG sem ganhar. Primeiro é o resultado. Em alguns clubes, o Fluminense se enquadra, consegue segurar um pouco mais e consegue virar. Mas o resultado é imperioso para o andamento.”

Saída pode afetar o Fluminense?

“Não acho que vai afetar. Não vou estar lá, mas vou estar na torcida. O Marcão é um grande parceiro, tem capacidade para assumir, todo mundo vai ajudar. O time está muito treinado. Minha crença é que com trabalho ia conseguir superar. Acho que o Fluminense vai fazer uma temporada boa. As relações são fortes não só com o jogador. O Fluminense ganhou por uma série de coisas.

Os funcionários foram demais comigo. Do marketing, comunicação, da limpeza, posso chamar pelo nome. O Vagner, Dona Vera, Pedrão, Magrinho da manutenção. A gente senta para tomar café junto. Isso é uma força do Fluminense e ela está lá. Eu tenho esse jeito que fez crescer o movimento. Eles têm o vínculo comigo mas está lá entre eles e vai continuar.”

Queda de desempenho em 2024

“Eu sou frio para ver o que está acontecendo. Imagina o Fluminense com o orçamento que tem – deve estar entre oitavo e 12º em termos de orçamento de folha – a gente fica em terceiro em 2022 e ganha a Libertadores em 2023, o sonho do clube, momento catártico. Um dos principais problemas é ganhar algo significativo que dá uma catarse geral para todo mundo. Torcida, jogador, funcionário, dirigente. O jogo do Inter para mim foi a final da Libertadores. Foi o mais emblemático de todos. No vestiário teve tanta descarga de energia que não sei se a final fosse próxima, não sei se a gente ia se recompor para fazer a final.

Teve um mês para se recompor e chegar bem para a final. Ano passado a gente estava tão focado, era tanta obsessão pela Libertadores, que a gente não conseguia se conectar para jogar no Brasileiro, parecia que a gente jogava um time no Brasileiro e outro na Libertadores. Quando ganhou a Libertadores, todo mundo queria celebrar. Teve um hiato, que foi no Mundial. A gente teve férias com todo mundo celebrando a Libertadores. Perdeu um mês de férias, voltou 26 de janeiro e tinha em 22 de fevereiro a Recopa contra LDU. Como faz para ter um time competitivo?

A gente estreou em uma semana, como iria jogar a Recopa sem ter jogado antes? Isso vai ter impacto. Entre as finais no início do ano, a gente teve que jogar contra o Flamengo. Botamos reservas e perdemos. Para quem quer colocar pressão, diz que não ganha clássico. Em vez de olhar para a grande conquista, bota tudo numa caixa só. Ano passado, o jogo do Botafogo foi depois do Inter. E bota pressão na torcida e bota pressão no time, cria o ambiente que o Mário falou. Lá na altitude mantivemos a posse para não desgastar, tomamos gol no fim e conseguimos reverter aqui.

No meio das finais, teve o Botafogo com o time reserva. Aí ganhou a Recopa e pegou o Flamengo de novo. A gente jogou mal mesmo, mas depois da Libertadores e da Recopa. Me exaltei depois e pedi desculpa. Então em fevereiro parecia que estava tudo ruim. De onde vem isso? Aí não teve pré-temporada. O Cano e o Ganso se machucaram e voltamos com dificuldade. Aconteceu tudo isso. Falei que o time estava devendo mas falei para trazer luz e a torcida acreditar.”

Campanha ruim no Brasileirão

“O Fluminense não era para estar com a pontuação que tem. Diante do Red Bull (Bragantino), estreamos bem, empatamos e tivemos chance de virar. Contra o Bahia começamos melhor, choveu muito, esfriou e voltamos diferente, mas tivemos chance de empatar. Contra o Vasco jogamos bem. Depois fomos jogar contra o Cerro e o André machuca. Vamos cansados para jogar com o Corinthians e a gente vai com o time cansado, joga mal e perde.

Frente ao Bragantino poderíamos ter mais dois pontos, contra o Bahia, um. Contra o Corinthians perdeu, tudo bem. Veio o Atlético-MG tomamos empate em uma partida boa do Fluminense. Perdemos chance de ganhar. Jogamos contra o São Paulo, tinha Libertadores e poupamos o time. Não merecia perder lá. Teve a pausa. Contra o Juventude, era um jogo com condições plenas de ganhar, deixamos pontos. Diante do Botafogo merecemos perder. Contra o Atlético-GO, não fizemos os gols, cometemos falhas e perdemos. Jogamos bem contra o Cruzeiro. Perdemos jogando melhor do que quando ganhamos no ano passado. Jogamos contra o Flamengo e era para perder.

Por que acontece? Não sei. E aí fica um inferno e parece que tudo está errado. E começam análises apontando erro onde é virtude. Nisso não me dobro ao sistema. Vivo disso e quem comenta também. Não inventei isso. Não dá para saber por quê. E se a bola do Valência entrasse? E se a gente não ganhasse a Libertadores? Talvez o ano estaria melhor. Esse ano que parece tudo ruim temos um título sobre o rival mais doloroso. Não foi ano passado. Fora isso, o Fluminense tem 12 ou 14 partidas invictos na Libertadores. Criou-se uma situação de que o Fluminense teria que ficar lá em cima. Foi construído por um monte de pressão.”

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Por Explosão Tricolor

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