Meu coração recebeu uma folga merecida




Short e meião (Foto: Lucas Merçon / Fluminense F.C.)



E da luz fez-se a escuridão. De repente, aos cinco minutos do primeiro tempo, uma manta negra cobria todo o ambiente. Logo no começo do jogo, o acontecimento denso de um breu roubava o som e a imagem. O subúrbio carioca é um lugar fantástico. Jacarepaguá é uma espécie de sertão de Euclides da Cunha ou Jose Lins do Rego – antes de tudo o suburbano carioca é um forte. Entre as mazelas e o precário, o suburbano cria um equilíbrio inédito para as possibilidades.

Sem energia elétrica, busquei no escasso pacote de dados da operadora um apoio. O esforço era inútil, eu sabia que estava desamparado. Nos links estranhos, cheio de outros links estranhos, tudo permanecia inerte – a imagem era pura estática. A saída foi ligar o rádio. Sim, amigo leitor.  No mundo contemporâneo, feito de escassez, precariedade e muita tecnologia, a saída foi ouvir o jogo pelo bom e velho rádio – o verdadeiro smartphone é o rádio. O rádio existe para contar o que não podemos ver’’ – (Teixeira Mendes – Odair e a mística do timinho – Portal Explosão Tricolor / 01/10/2020)

Começo outra vez como uma ‘’autocitação’’. Sim, amigo leitor, eu vou justificar. Não vou fazer uma análise objetiva do jogo. E o que estou chamando de ‘’análise objetiva’’? Algo semelhante ao que fiz no empate entre Fluminense e Atlético. No texto sobre o confronto ente Flu e Galo pelo Brasileirão, eu busquei uma leitura dos aspectos táticos do jogo e procurei no método uma compreensão racional e rigorosa da partida.

Hoje, amigos, eu quero fazer um desabafo e falar de forma subjetiva. Na pandemia, umas das poucas distrações do torcedor é o futebol – o esporte bretão foi o que sobrou do mundo. Com a jornada de trabalho ampliada, os trabalhadores procuram nas partidas de seus clubes o resquício do lazer, do pouco tempo livre que restou. Vivemos um momento de perdas materiais, emocionais e simbólicas. E um dos maiores extravios que sofremos foi o do tempo livre, da merecida folga do trabalhador.

E a autocitação, Teixeira? Pois é, Torcedor Tricolor, eu consegui ver o primeiro tempo da partida. Em resumo: o Fluminense parecia um pouco mais organizado. Também me agradou a movimentação do jogador Árias. Notadamente quando se movia da ponta para o meio e, controlando bem a bola, o jogador colombiano foi insinuante e tentou armar o jogo. Um primeiro tempo empolgante do Pó de Arroz? Creio que não! O Time de Guerreiros, contudo, parecia esboçar uma pequena evolução.

De resto, quero destacar o gol de falta do atacante Lucca. Em que pese a colaboração do goleiro, houve mérito do batedor e, em uma disputa equilibrada, com ligeira superioridade do Fluminense, o gol deu a vantagem parcial para o Tricolor. O segundo tempo começa. Aos sete minutos, depois de boa trama, Fred marca – a arbitragem anula corretamente o gol. E leitor deve estar pensando: –o colunista termina outro parágrafo sem explicar os motivos da tal autocitação! Calma, eu já vou esclarecer. 

Depois do gol anulado, a energia caiu e o manto negro da escuridão cobriu o ambiente. Cansado, depois de trabalhar sem folga nos últimos nove dias, cheguei a cogitar a possibilidade de dormir. Continuei acordado. Pelas ondas do rádio, percebi que o apagão não foi apenas elétrico. A equipe do Fluminense caiu de rendimento e, de acordo com a voz do rádio, duas bolas explodiram no nosso travessão. No mundo contemporâneo, feito de escassez, precariedade e muita tecnologia, a saída foi ouvir o jogo pelo bom e velho rádio: o rádio existe para contar o que não podemos ver!

O lado bom, leitor? Cansado, exaurido fisicamente, esgotado mentalmente, eu fui poupado do sofrimento das imagens. O jogo no rádio é puro imaginário. E com a mente fatigada como um Fidípides, o som, a narração e toda sonoplastia transformaram-se em mera paisagem sonora na escuridão. Exatamente como na primeira coluna que escrevi no Explosão, a luz deu lugar ao turvamento absoluto e, sem disposição física e mental para torcer, me contentei com a apatia, com a impossibilidade da emoção.

No final de semana, o Fluminense não jogou e, com alguns amigos de um grupo de Tricolores no whatsapp, eu brincava: -nossos corações foram poupados. Hoje, novamente, no momento mais difícil do Tricolor na partida, meu coração foi economizado, resguardado das fortes emoções. O peso da vida, da rotina de Sísifo, possui o poder de debilitar qualquer ser humano. Com o corpo alquebrado, a mente fustigada, a escuridão salvou meu coração do trabalho intenso da aflição de torcer.

– Meu coração recebeu uma folga merecida…

Teixeira Mendes



Jogos de ida das quartas de final da Copa do Brasil 

Quarta-feira (25/08)

19h

Athletico 1×0 Santos – Arena da Baixada

21h30

Grêmio 0x4 Flamengo – Arena do Grêmio

São Paulo 2×2 Fortaleza – Morumbi

Quinta-feira (26/08)

21h30

Fluminense 1×2 Atlético-MG – Nilton Santos

Jogos de volta das quartas de final da Copa do Brasil 

Terça-feira

21h30 (14/09)

Santos x Athletico – Vila Belmiro

Quarta-feira (15/09)

19h

Atlético-MG x Fluminense – Mineirão

21h30

Flamengo x Grêmio – Maracanã

Fortaleza x São Paulo – Arena Castelão