O tenebroso cenário de espanholização do futebol brasileiro




Flamengo e Corinthians / Barcelona e Real Madrid (Foto: Divulgação)
Flamengo e Corinthians / Barcelona e Real Madrid (Foto: Divulgação)

Em minha primeira coluna no Explosão Tricolor, quero antes de mais nada, agradecer ao Vinícius pelo convite e espaço. Espero conseguir elaborar textos interessantes que promovam o nosso Fluminense e que motivem discussões de assuntos importantes. Vou começar endereçando um tema que me preocupa muito e que sinceramente não entendo porque não é parte da agenda das outras torcidas: a espanholização do futebol brasileiro e seus reflexos.

Começo explicando o que é essa famosa espanholização. Um gênio da lâmpada do marketing teria feito um estudo no qual apresentou dados de que qualquer campeonato de futebol gera mais audiência para as emissoras de TV e consequentemente mais receitas de publicidade, se somente duas equipes disputarem o título até a última rodada. E essas equipes devem ser as de maiores torcidas porque nesse caso se consegue uma concentração de quase 100% da audiência, já que os torcedores desses dois times assistirão aos seus dois jogos da rodada, ou para torcer ou para secar, e os demais torcedores que normalmente odeiam esses dois times, assistirão aos jogos para torcer contra. Bela teoria.

Essa teoria, dizem os sites e jornalistas independentes, foi abraçada no Brasil. E faz alguns anos a estratégia para que isso se torne realidade começou a ser implementada. Dizem também, que os títulos antecipados do Fluminense em 2012 e os do Cruzeiro em 2013 e 2014, dispararam ainda mais o alerta, já que ocorreram impactos na audiência do futebol. Tudo indica que a ação tomada foi exatamente aumentar as cotas pagas a Flamengo e Corinthians, e assim, com a diferença financeira, se cria uma situação de disparidade com as outras equipes, que num futuro próximo, não terão condições de competir com os dois favorecidos.

Muitos torcedores dizem que a espanholização jamais funcionaria no Brasil porque somos um país aonde temos pelo menos 12 clubes grandes e sempre aparece um de investimento médio disputando títulos. No entanto, se analisarmos a concentração de torcedores e de receitas nesses dois clubes, pode ser que tenhamos uma surpresa em no máximo 5 anos e aí será tarde para qualquer ação. Não se pode ignorar, que na linha do favorecimento a esses clubes, se soma o patrocínio público, além da ajuda com estádio. É óbvio para qualquer um que siga o futebol com atenção, que a soma de Títulos, Craques e Estádio traz torcedores e receitas para os clubes. Além disso, é claro que títulos e ídolos atraem o torcedor jovem e assim não só aumenta a torcida como se garante o futuro dos clubes.

Outros dizem, que como a gestão dos clubes é amadora, ter muito dinheiro não quer dizer nada, porque não saberão ou não usarão o dinheiro de maneira correta. Contradigo isso, observando que nos dois clubes houve uma renovação da gestão e sinais de profissionalização, principalmente no Flamengo, que tem em sua atual gestão, gente do mercado privado e de bancos de desenvolvimento. Logo, esses dois clubes não são mais geridos tão amadoristicamente como eram antes. Sinal de atenção.

Se nos fixarmos em números apenas analisando o Flamengo, eles hoje já tem uma camisa que fatura 83 milhões de reais, segundo dados publicados em diversos sites, e, inclusive, citados pelo apresentador Luiz Roberto, no Bem Amigos de 01/06/2015. Somemos a isso a receita de 170 milhões de reais que receberão da TV, a partir de 2016. O Flamengo já começará o ano com 253 milhões de reais de receitas garantidas. Somemos a essas receitas seu programa de sócio torcedor. Hoje ele tem 53.433 torcedores em seu programa, gerando cerca de 28 milhões de reais por ano. Alguém pode dizer: ah, não é nada. Por enquanto, é verdade. Mas se nos basearmos nas estatísticas de que títulos mais craques aumentam os números de qualquer programa de sócio torcedor, o Flamengo pode se tornar uma máquina de gerar dinheiro.

Para dar uma idéia, o programa tido como referência mundial para ST é o do Benfica. E foi criada uma projeção aplicando o share que o Benfica conseguiu entre número de torcedores e adeptos do sócio torcedor. Se o Flamengo conseguir com títulos e ídolos explorar todo o seu suposto potencial, pode alcançar cerca de 1,3 milhões de sócios torcedores, segundo estimativa do torcedômetro. Com uma média mensal de R$44,00 por ST, o Flamengo pode ter a receita de 680 milhões de reais por ano com seu programa de sócios. Ou seja, em 5 anos, caso o Flamengo use sua dominância financeira para melhorar seu time, trazendo craques e ganhando títulos, ele pode subir ainda mais suas receitas e chegar a inimagináveis 900 milhões de reais de receitas anuais.

Mas vamos ser mais conservadores, até porque existe um outro fator importante nessa discussão: o tamanho real das torcidas. Todo estudo que sai gera polêmica. Eu pelo menos, em 42 anos de vida, nunca fui entrevistado sobre qual é o meu time e não conheço ninguém que tenha sido. Perguntem aos seus amigos, quem já foi entrevistado na rua ou por telefone por algum instituto de pesquisa sobre qual o seu time. E digo mais. Aqui vou voltar no tempo. O Flamengo foi uma criação da época dos militares no melhor estilo “pão e circo”. A estratégia aplicada era somente transmitir jogos deles na TV. Nas décadas de 70 e 80, não tínhamos TV por assinatura, então para ver seu time você tinha que ir aos estádios. E na TV aberta, que passava pouquíssimos jogos, somente um time era frequentador assíduo.

Isso fez com que o Flamengo se tornasse um clube popular e crescesse muito no Norte e Nordeste. Mas aqui pergunto: todos que se dizem Flamengo, de verdade o são? São torcedores que acompanham os jogos, compram produtos oficiais, aderem aos programas do clube? Respondo sem medo de errar que não. A maioria não sabe nem a escalação do time. Mas se por acaso alguém perguntar pra quem torcem, a resposta é óbvia. No entanto, esses números de torcedores, muitas vezes super dimensionados e com certeza incluindo gente que nem torcedor de verdade é, são usados como justificativa para dividir receitas, e até mesmo, para fechar contratos de patrocínio. Percebem a importância desses dados?

Então regressando ao exercício, se formos conservadores, imaginemos que o Flamengo conseguirá somente 140 mil sócios torcedores como tem o Internacional, por exemplo. Isso significará um faturamento de 84 milhões de reais por ano com o ST. Mais os 253 milhões, eles teriam 337 milhões de reais anuais garantidos. Somemos a isso, receitas extras de bilheterias e outras, facilmente eles chegariam a 400 milhões de reais por ano. Se considerarmos que o Fluminense gasta cerca de 40 milhões de reais por ano com o clube social, imaginemos que o Flamengo invista o mesmo. Sobram 360 milhões de reais. Vamos pensar que desses 360 milhões, eles usem 120 milhões para esportes olímpicos, despesas e pagamentos de dívidas. Sobram 240 milhões ao ano para a folha salarial do futebol. São 20 milhões ao mês se considerarmos os jogadores recebendo como empresas, sem décimo terceiro. Para dar uma referência, o Fluminense, no seu auge com a UNIMED, dizem que gastava 8 milhões de reais mensais, o que nos deu o Brasileiro de 2012. Hoje, nossa folha mensal, gira em torno de 3,5 milhões.

Mas o que é possível com 20 milhões por mês? Se considerarmos simplesmente um elenco com 30 jogadores, o Flamengo poderia pagar em média 600 mil reais por mês de salários a cada um de seus jogadores. Ou seja, eles poderiam ter 30 Freds na sua equipe. Se um Fred já faz estragos, principalmente no Flamengo, imaginem 30? E ainda sobrariam 2 milhões por mês para uma super estrela e/ou um treinador de ponta. Conseguem perceber o alcance disso?

Como solucionar isso? Existem várias ações possíveis.  A primeira já tramita no Congresso. Uma lei que definirá a distribuiçao de receitas da televisão. Resumidamente, 50% seriam divididos igualmente, 25% de acordo com a classificação no ano anterior e 25% de acordo com a audiência. Simples, fácil e mais justo. Uma outra opção é a criação do sistema de limites salariais aplicado nos Estados Unidos. Os times teriam limites de orçamentos e salários. Uma terceira opção seria a criação de uma Liga de Clubes que negocie os direitos de maneira equânime e aplique no Brasil o mesmo modelo da Inglaterra. Essa Liga também pode implementar o mesmo modelo de draft (seleção de talentos) usado nos Estados Unidos, equilibrando os times não só com as promessas, mas também com a distribuição dos jogadores mais tarimbados.

Do lado dos clubes como o Fluminense, a primeira saída será a profissionalização do clube. Que seja gerido por gente séria que entenda do negócio e organize o clube. Sanear dívidas sem perder o foco em marketing e no resultado esportivo. Ter categorias de base bem estruturadas e que revelem talentos em profusão. Aproveitar o potencial de sua torcida e investir no programa de sócios torcedores, alavancando a parceria com o Maracanã. Aumentar suas receitas com esportes olímpicos, atraindo investidores. E aliás, atrair investidores exatamente pela seriedade e profissionalização do clube.

Enfim, idéias existem. Mas é preciso que as autoridades, os clubes e seus dirigentes, a imprensa e a sociedade em geral se mexam, discutam e cobrem a implementação dessas ações. Senão em 2020 assistiremos a um monótono “Campeonato Espanhol Brasileiro” aonde dois times disputarão o título todos os anos, e a nós, torcedores de outras equipes, nos restará secar e vibrar com esporádicas classificações para Libertadores e eventualmente títulos isolados.

Danilo Fernandes