Paixão que vem de dentro – e de fora




Foto: Vinicius Toledo / Explosão Tricolor



Buenas, tricolada! O título desta coluna sugeriria, aos conhecedores, uma singela homenagem ao músico baiano, ícone da MPB em minha geração, Moraes Moreira, que faleceu recentemente. OK! Estenderei, então, a tal reverência: R.I.P., Moraes!

Mas o objeto principal dela é falar da paixão visceral, auxiliada pelo entorno, oriunda e cativada no imo da minha existência, que atende pelo nome de Fluminense Football Club!

Meu saudoso e velho pai, um tricolor roxo, mas menos sanguíneo do que este escriba destemperado e bipolar que vos entretém, plantou a semente verde, branca e grená em mim e no meu irmão, Sérgio, desde a tenra idade. Contudo, ele teve que bancar a sua sábia e convincente tricoloridade quando o meu mano quase descambou para o lado negro (e rubro) da força, por causa do meu avô materno. Enfim, tudo deu certo, no final do imbróglio!

No ido ano de 1970, eu, com apenas oito aninhos, fazia a minha segunda incursão pelo Maracanã! A primeira ocorrera na temporada anterior, naquele Fla-Flu inesquecível que concedeu o título do Cariocão pra gente, diante de 171.599 pagantes e mais uns 20.000 não pagantes. Vitória tricolor por 3×2 e um atônito garotinho, pendurado no cangote do seu “véio”, saudava, meio desentendido, o grande triunfo!

Pois bem, retomando o tema, era a peleja final daquele que foi considerado, posteriormente, o nosso primeiro título brasileiro. Em pleno 20 de dezembro de 1970, quando a criançada já esperava ansiosa pelo Natal e pelos presentes de fim de ano, o Fluminense entrou no maior do mundo para encarar o Atlético Mineiro… Um empate nos concederia o troféu!

A Taça de Prata, Campeonato Nacional da época, que somente em 1967 fora chamado de Robertão – alcunha do dirigente e político tupiniquim, Roberto Gomes Pedrosa -, até aquela data de dezembro era um torneio Rio-São Paulo recheado com os demais gigantes do futebol brasileiro. A partir de 1971 passou a ser conhecido como Campeonato Brasileiro de Futebol.

Dezessete grandes clubes participaram do torneio, que teve fórmula semelhante à do Brasileirão seguinte, o de 1971. As equipes foram divididas em dois grupos, mas todas se enfrentavam entre si em turno único. Porém, classificavam-se para o quadrangular final os dois primeiros de cada chave. Passaram de fase o nosso Fluzão, o Galo, o Porco (na ocasião, Periquito) e a Raposa.

Sou de um tempo sem tecnologia, quando brincávamos nas ruas, saíamos no braço com a turma da travessa vizinha, bebíamos água da bica sem medos, jogávamos peladas em espaços inimagináveis e condições inacreditáveis, e os nossos ídolos eram os pessimamente acabados heróis da Marvel – das animações toscas das TV’s. Além, é evidente, dos personagens dos gibis e quadrinhos. Pois é, uma das minhas inesquecíveis referências foi o Mickey Mouse… Pode?

Então! Estávamos eu e meu pai no Maraca para acompanhar o clássico interestadual decisivo. Era Rio vs. Minas! Chance de ouro pro Flu levantar o caneco, já que nas três primeiras edições da competição apenas o Santos, de Pelé, e o Palmeiras, de Ademir da Guia, duas vezes, haviam tido esta primazia.

Defendendo as nossas cores, entraram em campo Félix; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denílson, Didi (não era o Folha Seca) e Cláudio Garcia; Cafuringa, Mickey e Lula. O lateral-direito Toninho Baiano substituiu Marco Antônio durante o embate, e o técnico era o Paulo Amaral. Pelo que consta, e a minha memória não é tão privilegiada assim, por isso a necessidade de consultas, Flávio Minuano e Samarone desfalcavam o Tricolor por contusão, por opção tática etc.

Atlético-MG entrou com Renato Aranha Negra; Nélio (Zé Maria), Humberto Monteiro, Vantuir e Vanderlei; Odair e Humberto Ramos; Ronaldo, Vaguinho, Lola e Tião. O treinador era o Telê Santana, o grande tricolor que conquistara o Cariocão da temporada anterior dirigindo o próprio Fluminense.

Detalhes do duelo eu não teria como lembrar. Com oito anos de idade, ao menos comigo, somente as cenas marcantes povoam os recônditos da mente. Por isto, antes, durante e depois do jogo apenas algumas dessas tais cenas ainda pululam na minha cabeça hoje em dia.

Primeiramente, a atmosfera do entorno, a satisfação das pessoas e a aura do próprio estádio pincelavam tons alegres nas suas imediações, que refletiram nas quatro linhas no decorrer do confronto. Que coisa lindíssima! Cento e trinta e dois mil presentes no maior do mundo coloriram com as três cores que traduzem tradição cada degrau das arquibancadas e platôs das gerais do mítico Mário Filho.

Que honra estar ao lado do meu velho naquele momento tão inebriante. Talvez, vê-lo emocionado tenha me causado mais efeitos positivos do que a minha própria inocente emoção.

Jamais esquecerei do meu instante bumerangue… Sim, eu era lançado para cima e para os lados, como se fosse a arma de arremesso utilizada para a caça e para a guerra na Austrália e alhures, passando pelas mãos de inúmeros desconhecidos, para depois retornar seguro aos braços do meu contrito pai. No gol do Flu e na comemoração do título!

Um ano mais velho do que na final do Campeonato Carioca de 1969, eu debutei nos arrepios… Nunca havia convivido com uma reação íntima daquelas! Debutei também no nó na garganta! Eu ouvia os meus pais usarem o jargão e não fazia ideia do que significava. Somente o Flu foi capaz de me fazer senti-lo. Um terceiro debut, a contemplação pela torcida tricolor, nasceu naquela data, igualmente. Que show de beleza, matizes harmônicas, e gritos estridentes e melódicos da galera ensandecida!

E pra finalizar, o meu regozijo maior: depois de o Fluminense consignar o seu gol, no primeiro período, milhares de torcedores passaram a bradar insistentemente o nome do meu super-herói Mickey. Não era o Mouse, mas era o Mickey! Foi dele o tento, é óbvio.

O Galo ainda empatou o embate no segundo tempo, com Vaguinho, mas o título era nosso. Emoção, comoção, mais arrepios e nós na garganta. E lá fui eu servir de bumerangue novamente… ao meu velho e aos seus novos comparsas de estádio. Dane-se, valeu demais.

Portanto, finalizando, naquele inesquecível dia a minha paixão, que já vinha de dentro, pelo FFC foi alimentada por metanol do bem e por muito amor. Um amor genuíno e inegociável. Ver o meu primeiro super-herói, o meu pai, debulhando-se em lágrimas de felicidade marcou muito a minha trajetória. E assistir ao meu super-herói fictício, Mickey, ser lembrado pelo “mar de amigos” torcedores no Maracanã, numa demonstração de paixão que vinha de fora, da mesma forma ajudou a forjar o meu caráter tricolor, com muito orgulho.

Saudações eternamente tricolores!

Ricardo Timon