Rodrigo Capelo publica texto sobre as finanças do Fluminense




Rodrigo Capelo (Foto: Reprodução / SporTV)



Através de sua coluna no portal ge, o jornalista Rodrigo Capelo publicou uma análise sobre as finanças do Fluminense em 2021. Confira o texto na íntegra:

As finanças do Fluminense em 2021: bons resultados em campo ajudam e indicam eficiência, mas quadro geral ainda é calamitoso

Após três anos de administração, Mário Bittencourt conseguiu melhorar performance esportiva, elevar receitas e reorganizar a dívida, mas ainda falta muito dinheiro para clarear o futuro tricolor

Quando fez um balanço de seus três anos de administração no Fluminense, o presidente Mário Bittencourt revelou ter contratado o BTG para estudar soluções para as finanças tricolores, que podem envolver a abertura de uma SAF. O dirigente também contou que o banco produziu um relatório de 60 páginas sobre a gestão do clube.

– O banco nos informou que o nosso custo proporcional é baixo entre receita, folha e resultado de campo, que é bem superior em comparação com os demais clubes do Brasil. A gente consegue desempenhar bem acima do que a gente investe – disse o cartola no início de junho.

Mário enumerou, na entrevista coletiva, fatores relevantes desse período: o pagamento de R$ 276 milhões em dívidas, o aumento das receitas com patrocínios e a busca por investidores para acelerar o equacionamento das dívidas do clube, que estão por volta dos R$ 700 milhões.

O que dizem as demonstrações contábeis do Fluminense? Nesta reportagem, o ge passa pelos números contidos em sua edição mais recente, referente a 2021, para que o torcedor tenha uma noção mais precisa do que aconteceu no clube sob a administração de Bittencourt.

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Panorama

A comparação entre faturamento (tudo o que foi arrecadado em cada ano) e endividamento (o que havia a pagar no último dia de cada exercício) mostra um clube que está financeiramente estável.

A arrecadação aumentou no último balanço, embora particularidades da contabilidade precisem ser consideradas, e a dívida total continuou mais ou menos no mesmo lugar. A proporção segue preocupante.

Receitas

O detalhamento da arrecadação tricolor começa pelos direitos de transmissão, que no ano passado foram mais altos do que de costume. Parcialmente, isto se explica por questões contábeis.

Como o Campeonato Brasileiro de 2020 só terminou em 2021, receitas relevantes daquela edição foram contabilizadas no exercício seguinte. Na prática, significa que o faturamento do ano retrasado foi mais baixo do que deveria, enquanto o da temporada passada foi atipicamente maior.

Por outro lado, a boa performance do Fluminense em campo ajudou nesta linha. O quinto lugar no Brasileirão, as quartas de final na Copa do Brasil e as quartas de final da Libertadores, todas essas fases contribuíram na linha de mídia com premiações e pagamentos variáveis.

Na área comercial e de marketing, o clube mais do que dobrou o seu faturamento, na comparação entre 2020 e 2021. Ainda não é uma receita que o coloca em posição privilegiada em relação a adversários, longe disso, mas o seu crescimento gradual é uma boa notícia.

Linhas diretamente ligadas à torcida, que incluem bilheterias e associações, foram prejudicadas pela pandemia. O Maracanã não pôde receber público em boa parte da última temporada. A capacidade de geração de receitas do estádio só poderá ser testada a partir de 2022.

E, mais uma vez, transferências de atletas representaram uma virtude no balanço tricolor. Baseado principalmente nas vendas dos direitos de Kayky e Metinho, o clube ficou mais uma vez próximo da faixa dos R$ 100 milhões em receitas líquidas – já subtraídas participações de terceiros e comissões, para correta comparação com números de adversários.

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Orçado versus realizado

O paralelo entre orçamento (com projeções feitas pela diretoria antes de a temporada começar) e balanço (com números efetivamente alcançados) conta mais um pouco da história de 2021.

Nas receitas, percebe-se que o crescimento do marketing representou certa frustração. O Fluminense esperava arrecadar mais do que o dobro com patrocínios e royalties, por exemplo. Bilheterias e sócios também ficaram abaixo do que havia sido planejado pelo financeiro tricolor.

Nas transferências de jogadores, houve o contraponto. Entrou mais dinheiro do que estava previsto. E nos direitos de transmissão, em que pese o fato de haver receitas de 2020 contabilizadas no exercício de 2021, os números também foram melhores do que constavam do orçamento.

Em R$ milhões Orçado Realizado Diferença
Direitos de transmissão 124 177 53
Marketing e comercial 45 20 -25
Bilheterias e estádio 19 3 -16
Sócio-torcedor e sociais 27 20 -7
Outros 2 5 3
Transferências de jogadores 86 95 9
Total 303 319 16
Folha salarial do futebol -165 -200 -35
Resultado financeiro -21 -25 -4
Resultado líquido 2 -2 -4

Entre os custos, o ge separa a folha salarial do futebol, soma de salários, direitos de imagem, encargos trabalhistas, direitos de arena e deduções. Este é o indicador econômico que tem maior correlação com a performance do time dentro de campo, pois reflete a sua qualidade.

Neste ponto, o Fluminense gastou mais do que havia planejado. Em seu balanço, ao descrever esse custo, o clube destacou que há relação com o retorno à Libertadores após cerca de dez anos.

No quadro acima, o resultado financeiro representa itens financeiros e não esportivos. No mais importante deles, os juros sobre dívidas, o clube registrou R$ 42 milhões, dinheiro que se desperdiça por causa do endividamento excessivo que carrega há vários anos. Com R$ 25 milhões obtidos em descontos sobre dívidas e outros itens, essa conta diminui.

Por fim, a última linha mostra o resultado líquido do exercício – superavit (lucro) ou deficit (prejuízo). O Fluminense ficou próximo do que havia projetado em seu orçamento. Não foi este seu problema em 2021.

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Dívidas

A grande dificuldade tricolor está no endividamento. Por mais que a diretoria de Mário Bittencourt tenha conseguido pagar quantidade considerável de dívidas em seus três anos, como ele citou na entrevista, o valor total continua no mesmo patamar há muitos anos.

Ao analisar esse passivo de acordo com o vencimento, percebe-se que o perfil da dívida também não melhorou. O montante a ser pago no curto prazo (em menos de um ano) ainda está em patamar inviável, por volta dos R$ 250 milhões, quando comparado à capacidade de arrecadação.

Em 2021, o Fluminense reduziu um pouco mais seus empréstimos e financiamentos. O crédito da instituição financeira Lecca foi praticamente zerado. Sobrou uma dívida de R$ 23 milhões com o BMG, além de R$ 9 milhões emprestados por pessoas físicas não identificadas no balanço.

Obrigações fiscais, com o governo, melhoraram ligeiramente no ano passado – não em seu valor total, que está até maior do que no exercício anterior, mas em seu perfil. Como o clube fez uma nova renegociação de tributos em aberto, por meio da transação tributária, foi possível reduzir pagamentos esperados no curto prazo e jogá-los para o longo.

A maior dificuldade está na área trabalhista. Nesta coluna, entram as obrigações correntes (relacionadas à temporada de 2021) e as que se arrastam há muitos anos, principalmente em ações judiciais movidas por ex-jogadores, ex-técnicos e ex-funcionários.

A diretoria tricolor deve conseguir novas condições para o pagamento dessas dívidas, por meio do Regime Centralizado de Execuções, que dará dez anos para quitar acordos trabalhistas e cíveis. Esta medida ainda está em andamento e, portanto, não entrou no balanço de 2021.

Por fim, a coluna “outros” do gráfico abaixo une fornecedores, outros clubes e agentes. Como o Fluminense não tem sido um grande comprador de atletas, este valor está baixo e não ameaça.

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Futuro

Esportivamente, o Fluminense fez um bom ano em 2021 e faz outra boa temporada em 2022. Dadas as circunstâncias financeiras da associação, que a impedem de investir da mesma maneira que seus adversários endinheirados, há eficiência acima da média no uso do dinheiro.

Essa performance elogiável também puxa as receitas. Se a vaga para a Libertadores for garantida, entram as premiações em dólares, oriundas da Conmebol, e melhoram os argumentos em negociações comerciais e também para atrair o torcedor ao Maracanã.

A grande dificuldade é que, embora tenha conseguido elevar a sua folha salarial recentemente, o clube ainda não conseguiu firmar um projeto sustentável, que resolva, mesmo que devagar, a sua dívida.

O que se pode fazer para organizar o endividamento parece estar sendo feito. O Regime Centralizado de Execuções equacionará grande parte das obrigações trabalhistas e cíveis, enquanto novos refinanciamentos fiscais arrumam o que está em aberto com o governo.

O problema não é reorganizar os pagamentos, etapa fundamental, mas conseguir dinheiro em quantidade suficiente para honrar todos os compromissos – e de preferência se livrar logo de alguns deles.

Em 2022, o Maracanã torna a contribuir com bilheterias. Luiz Henrique foi vendido para o Betis, da Espanha, por volta de R$ 70 milhões. A torcida tende a aumentar a sua participação, se o futebol continuar a vencer. Fará grande diferença nas contas do clube? Pode ser que não.

Alguma coisa especial precisa acontecer para que o Fluminense, aliado às virtudes que já tem em sua gestão, consiga acelerar a sua recuperação. Será a liga de clubes, com receitas que podem ser destravadas por meio dela? Haverá interesse na SAF e venda de parte da empresa?

Se nada acontecer, nada impede que o clube compita no primeiro escalão e consiga eventualmente bons resultados. Mas o torcedor terá de se acostumar a ver jogadores da base vendidos todo ano, além de manter expectativas comedidas em relação a presente e futuro.

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Por Explosão Tricolor

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