A tentação de Frei Serapião




FOTO: LUCAS MERÇON/ FLUMINENSE F.C.

Buenas, tricolada! Lembram daquele famoso quadro do programa global, Viva o Gordo? O da tentação de Frei Serapião… que era grande! Era enorme! Os impagáveis Jô Soares e Paulo Silvino interpretavam os Freis Cosme e Damião, e davam verdadeiros shows de humor e irreverência.

Pois é, até os 40 min. do segundo tempo da peleja entre Fortaleza e Flu, lá no Nordeste, pelo Brasileirão, neste último sábado, essa máxima vinha prevalecendo. Mas não era a tentação, e sim uma maldição! A mesma que assolou o Fluminense nas partidas contra Goiás, Botafogo, Ceará, CSA, Avaí etc.

O Tricolor Guerreiro teve inúmeras chances de abrir o marcador, mas Wellington Nem, Nenê e Jotapê desperdiçaram-nas diante do arqueiro do Leão do Pici. Que sanha, que fase, que uruca!

Cheguei a pensar em nervosismo, incompetência, corpo mole, falta de sorte, preciosismo ou “nojo” ao bater na pelota dos nossos atacantes quando se viam diante do goleiro adversário. Contudo, finalmente conseguimos estufar as redes cearenses, quebrar o incômodo jejum e arrancar três pontos improváveis na casa do inimigo. Ufa!

Mas há a nota triste: num campeonato de pontos corridos, onde o saldo de gols pode ser parâmetro para decidir rebaixamentos, colocações na tabela, classificações para torneios continentais e outros itens de desempate, aquele segundo gol do Jotapê, anulado aos 47 min. da etapa complementar – ele já havia consignado o primeiro -, pode fazer muita diferença, ao término da temporada!

Sem defesa institucional efetiva, o FFC continuará nesse inferno astral, de ser prejudicado sistematicamente pelas arbitragens. Numa boa, revi o lance inúmeras vezes, por vários ângulos, e não enxerguei impedimento do garoto, depois do ótimo lançamento do Caio Henrique. Nada de validação do gol, VAR ou de coisa alguma. O juizinho goiano preferiu encerrar o duelo. Será que se o lance ocorresse na área de lá as posturas seriam as mesmas?

Enfim, ganhamos! O resultado vale mais do que quaisquer lamentações, mas que está estranho, ah, isso está!

O jogo foi movimentado, e o Fortaleza sufocou o Flu nos primeiros 10 ou 15 min. de confronto. Não passávamos da meiúca, vivíamos de chutões do Muriel, que invariavelmente caíam nos pés nordestinos e causavam-nos transtornos defensivos. Um bate e volta da porra!

Entretanto, o espírito de Neném Prancha recaiu sobre os nossos atletas, que passaram a jogar com a bola no chão e criar maiores perigos ao arco do rival. O saudoso Prancha foi roupeiro, massagista, olheiro e técnico do futebol brasileiro. Ganhou a alcunha de filósofo do futebol, atribuída pelo mestre Armando Nogueira, por conta de suas frases de efeito e engraçadas.

Numa delas, o cara pregava o seguinte: “A bola é feita de couro (à época). O couro vem da vaca. A vaca come grama. Então, o futebol deve ser praticado com a pelota tocando o gramado, e não com balões e chutões desesperados”! Nesta disputa entre cariocas e cearenses, o resultado de tal ensinamento notou-se imediatamente: equilíbrio nas ações das duas equipes, e o Fluminense chegando à área do Fortaleza com maior frequência – fato raro no início do embate.

No segundo tempo o panorama manteve-se idêntico. O Flu contra-atacando, chegando próximo à área do Fortaleza, e pecando nas finalizações – sem o ímpeto da primeira metade do jogo. Tomamos alguns sustos, e o Muriel foi o grande nome da partida. Ele fez ao menos umas quatro defesas salvadoras! Bom que agora podemos confiar um pouquinho no nosso guarda-metas. Eu e muitos tricolores queimamos a língua mais uma vez, já que defenestramos a sua contratação. Caramba, o velho e violento esporte bretão não cansa de nos esfregar nos córneos esse tipo de argumento. E não aprendemos. Putz!

Convivi com algum consenso entre os tricolores mais próximos, de que o time atuou numa rotação mais baixa, um tanto quanto mais lenta do que em outras oportunidades. Não sei se havia cansaço, não faço a mínima ideia se há descontentamento com a comissão técnica (na mídia circulam boatos a respeito). Não projeto outros disse-me-disses que rolam à boca pequena entre grupos de torcedores e redes sociais. Mas foi nítida a peregrinação mais indolente dos nossos jogadores no quadrilátero onde se desenrolou a peleja. Erros de passes absurdos também pontuaram os nossos comportamento e desempenho. Peralá, não estou eu aqui procurando pelo em ovo – até porque vencemos. E nem desentortando bananas ou enxugando gelo. Quem acompanhou o duelo pelo Premiére de certo chegou às mesmíssimas conclusões.

Não compreendi muito a demora do Oswaldo Oliveira em mexer na equipe, do meio do segundo período em diante. Estávamos correndo e não chegando. Escassearam-se as jogadinhas que envolviam a zaga cearense. A galera perceptivelmente “morreu”, laçou a gravata vermelha no pescoço! Ele trocou o Wellington Nem pelo Frazan depois do nosso gol, para segurar o placar!

A impressão que ficou sobre esta atitude do nosso treinador foi a seguinte: não trocarei atletas porque estou satisfeito com o 0x0! Inacreditável, né não? Cacetada, o Nenê andava em campo! O Yony, mesmo sendo o nosso melhor atacante no confronto (ou talvez o menos pior), corria bravamente sem objetivos – e eventualmente tropeçava na bola. O Jotapê parecia sonolento. O PH Ganso errou e acertou na mesma proporção. O Caio Henrique rodava como enceradeira. O Gilberto apoiava direitinho, mas deixava uma avenida às suas costas – neguzim passava como queria por ele. O Nem matava contra-ataques em profusão. Ora por escolher a jogada errada, ora por adiantar demais a pelota, ora por prendê-la desnecessariamente, e assim desenrolava-se a contenda.

Ante essa radiografia, aí é que acontecem os contrapontos do futebol. De onde menos se espera, mais surpresas acontecem… O Aírton fez um jogo bem honesto. Mas a recorrência dos seus problemas sempre se faz presente: ou ele toma cartão vermelho ou se machuca! Desta feita saiu de campo aos 7 min. do segundo tempo, contundido.

E mais: em especial no segundo tempo dos jogos, Nenê e PH Ganso não podem atuar juntos. O nosso time abre espaços generosos para os inimigos, pois ambos não têm características combativas – e são mais cascudos. Ao nos defrontarmos com equipes mais qualificadas, a bola punirá!

Em suma, para o bem do Fluminense Football Club, respiramos um oxigênio mais puro com essa vitória contra o Fortaleza. Melhor, passaremos um fim de semana sem choros, sem taquicardias, sem depressões e acreditando na dificílima virada no Campeonato Nacional.

Isso é Fluminense! Lutamos contra a matemática, contra os scouts, contra os Oswalds e Tristões, contra a mídia, contra a opinião pública, contra nós mesmos, mas mantemos a aura vitoriosa pairando sobre os nossos topetes.

Que o triunfo diante dos nordestinos seja a mola precursora para aquela arrancada que somente o Tricolor das Laranjeiras é capaz de protagonizar. Afinal, os nossos 117 anos de glórias representam um back-ground histórico e ineditista de valias, honras, narrativas, memórias, vida e uma biografia repleta de lutas!

Sai pra lá, Frei Serapião!

Saudações eternamente tricolores!

Ricardo Timon

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