Renúncia, reforma das Laranjeiras, venda de jogador, caso Diego Souza e muito mais; veja a íntegra da entrevista de Pedro Abad






Pedro Abad concedeu longa entrevista

Em entrevista concedida ao portal Globoesporte.com, o presidente Pedro Abad abriu o jogo sobre diversos temas polêmicos dos bastidores do Fluminense. O mandatário tricolor declarou que não renunciará ao cargo e falou sobre os seguintes assuntos: saída de Abel Braga, chegada de Marcelo Oliveira, bom relacionamento com Mário Bittencourt, patrocinador, venda de jogadores, Flusócio, caso Diego Souza, Marcelo Teixeira, reforma das Laranjeiras, Peter Siemsen e muito mais.

Confira a íntegra da entrevista:

Abel Braga pediu demissão no último sábado. Como foi a conversa com o ex-treinador? Não tinha como demovê-lo da ideia?

Fomos pegos de surpresa. Até me perguntaram se tinha havido reunião após o jogo contra o Atlético-MG. Não teve nada disso Ele me comunicou na quinta, após o jogo contra o Santos, que não tinha intenção de continuar. Perguntei os motivos, ele explicou que se sentia desgastado e que tinha de cuidar da família. Aquilo que ele explicou. Tentamos demover ele da ideia, dissemos que estava de cabeça quente e que poderíamos conversar. Ligamos no outro dia, falamos de novo. Mas ele estava com a vontade de sair. Tem a ver com a família, desde a morte do filho ele estava naquela batida. Enfim. Não teve chance de demovê-lo, mas o Fluminense tem de andar.

Foi em um momento que permitiu ao clube procurar substituto ao menos…

Abel é um cara sério, correto. Profissional, muito bom. Ele ajudou muito o Fluminense. Ele pegou a reputação dele e colocou em prol da reestruturação de um clube. O Fluminense e o torcedor têm de agradecer a ele. Poxa, ele nos avisou em um momento em que temos tempo para procurar outro, e o novo treinador terá condições de conhecer o grupo e trabalhar. Ele foi coerente e pensou no clube.

Quais os critérios que levaram o Fluminense a escolher Marcelo Oliveira?

Olha, primeiro, tinha de ser um treinador experiente. Se o nosso grupo é menos experiente, precisamos de um comando cascudo para balancear. O ideal era ter um currículo de vitórias, ele já ganhou. E, dentro desses critérios, chegamos ao nome do Marcelo. Ele foi bicampeão brasileiro, ganhou a Copa do Brasil. Teve vários trabalhos bons. Ele havia saído do Coritiba, conversamos e acertamos as condições.

Negociação rápida, portanto. Por qual motivo o contrato foi apenas de um ano?

Sim, não levou nenhum dia. O contrato do Abel era até o final do ano. Surgiu na conversa. Quem falou diretamente foi o Paulo Angioni. Quando chegou para mim, estava assim. Não tem uma razão específica. Se ele for bem, óbvio que ele continuará. Não existe isso de imaginar que não fará um bom trabalho e, por isso, escolhemos um ano apenas.

Fluminense tentou outros dois, Zé Ricardo e Dorival.

Sim, conversamos com outros e resolvemos escolher o Marcelo. Sempre se tem de analisar o cenário e escolher a melhor opção. Não é só querer uma pessoa, ela tem de estar dentro do orçamento e atender aos nossos critérios. Quando acertou tudo isso, o nome dele foi o mais adequado.

Após a derrota para o Santos, o último jogo antes do recesso provocado pela Copa do Mundo, Abel, pediu reforços de forma pública. Imagina-se que isso permaneça mesmo com a saída dele. O Flu vai contratar?

É óbvio que o grupo é pequeno. Bom, mas com poucas opções ao treinador. Sabemos disso. Mas tem o momento certo de contratar, que é agora. A gente expos isso, todo mundo sabia. É claro que quatro derrotas atrapalham, ninguém quer viver isso. Os jogadores que vamos trazer vão dar opões ao treinador e vão qualificar o grupo. É claro que vamos trazer. A saída do Abel interrompeu esse processo pois se tem de fazer isso com o treinador, não adianta trazer quem não vai encaixar no esquema que o treinador não quer. Vamos trazer bons, que vão agregar, que façam valer o investimento. Caso contrário, jogo fora o dinheiro que não temos. Não vamos trazer atletas de R$ 500 mil (de salário), essa não é a nossa realidade. E não quer dizer que quem ganha menos do que isso não é bom.



O nosso elenco é bom, eu falo isso a eles. No começo do ano, falavam que o nosso elenco era para ser rebaixado. Sabia que não. No começo do ano, o Pedro era achincalhado. Hoje ele é xodó. A gente sabia que ia dar resultado, mas também sabia que era curto. Se eu tivesse a certeza de que não teríamos lesão e suspensão, ficaria tranquilo. Por isso precisamos de opção. Até o jogo contra o Paraná, estávamos bem. Ali foi divisor de águas. Ninguém esperava perder e, com a sequência dura, machucou. Flamengo e Atlético-MG foram jogos duros e, diante do Santos, houve a queda. Perdemos para o Botafogo e fomos aplaudidos pela torcida. Sim, a sequência ruim coloca em xeque. Vamos reforçar para dar opção. É óbvio que precisamos de um meia, vamos trazer. Temos Pedro, Ayrton, Richard, todos muito bem. Vamos trazer os jogadores certos, que vão encaixar e render dentro de campo.

É notória a dificuldade financeira para contratar. Agora, não se poderia fazer mais? Ousar mais?

Dá para fazer um pouco mais. Agora, tem de ser responsável. Não posso inflar a folha em R$ 1 milhão pois aí tenho problema para honrar. Temos de trazer jogadores que ajudem, gastando sem atrapalhar o resto do clube. Assim, tendo as nossas dificuldades, R$ 200 mil a mais não piorar tanto o quadro. Agora, R$ 1 milhão, sim. O balanço o torcedor não entende. A palavra criatividade é complicada pois ela remete a algo que ninguém sabe explicar. Aí, é criativo. A criatividade tem preço, tudo tem preço. Vamos ir um pouco, mas não se pode ir muito. É complicado.

E essa necessidade não aumenta com a venda do Luan Peres?

A gente não esperava. A operação Luan Peres começou lá atrás. Quando a gente quis o jogador, ele tinha uma proposta desse mesmo time da Bélgica para ganhar mais do que ganharia aqui. Convencemos ele a vir, veio ganhando menos. Agora, veio outra oferta, mais do que dobrando o salário dele aqui. Com contrato longo, ele ficou tentado. O jogador era emprestado, recebemos uma indenização boa. Bem razoável. Foi uma série de fatores. Como a gente jogava com três zagueiros, a priori, é uma perda grande. Agora, a gente não sabe como o novo treinador vai jogar. Se ele não jogar com três, a posição é uma. Caso não, será outra.

Não adiantava a gente querer cobrir a proposta. Era muito alta. Financeiramente, não cabia. O Reginaldo foi cedido para a Ponte Preta ceder o Luan. Aconteceu. Ele não voltará. O nosso nível de erro nas contratações está baixo. Luan e Nathan Ribeiro são bons zagueiros, Richard, Robinho é bom e ainda vai render… Jadson, Gilberto. Temos muitos acertos.

O que levou a contratação de Paulo Angioni, um profissional que na última passagem pelo Fluminense trabalhou com Mário Bittencourt, atualmente oposição no clube.

Angioni tem muita experiência no futebol. Ele dá curso na CBF, tem ótimo currículo. As pessoas acham que ele é antiquado, mas não é. É atualizado. Conhece todo mundo.

O Mário é um “player” do Fluminense. Prestou serviços ao clube. Não tenho nada contra ele. Gosto dele. Converso com ele. Nunca vou escolher um ou deixar de escolher porque é amigo ou não é amigo. Já me acusaram de fazer isso. Não existe. É um absurdo. Não posso definir um profissional assim. Tenho muito respeito ao Mário. E outra: Fernando Simone trabalhou com ele e também o contratei.

Isso significa que há aproximação política com ele?

Nós disputamos uma eleição, nunca fomos inimigos. Já conversamos, mais de uma vez. A relação é ótima. Não estamos muito próximos nem distanciados. Apenas ele não está na gestão. Só isso.

Além do Angioni, o senhor contratou Fernando Simone, que foi diretor executivo de futebol do Mário, então vice de futebol. Qual a função do Simone no clube?

O Fernando foi contratado pois é uma pessoa da minha absoluta confiança. Eu precisava de alguém que me ajudasse a fazer diagnósticos tanto na área política quanto na área operacional. Estive com Fernando no jogo contra Boavista, ele ainda trabalhava lá. Falamos sobre Fluminense. E tudo o que ele me falou fez sentido. Ele tem história política, viveu aqui dentro. Quando conversamos, ele soube ler o que ocorria aqui. Vi que me falou coisas que eu não estava entendendo que ocorriam aqui. Chamei ele para trabalhar. Tinha muita coisa que não andava. Quando o Marcus Vinícius Freire saiu, disse ao Fernando para pegar a gerência. E está andando bem. Ele começou como assessor meu e hoje ele ajuda a gerenciar o clube. Eu peguei algumas coisas, mas ele faz o dia a dia.

O Flu deve hoje um mês CLT e um mês de imagem? Vai pagar os salários atrasados? Quando? De onde virá o dinheiro?

A gente corre atrás para pagar. Não é só salário de atletas. São todas as obrigações do clube. E a gente, de uma maneira ou outra, busca uma operação financeira. Por vezes, aparece um recurso extraordinário – agora haverá o mecanismo de solidariedade do Fabinho – e as coisas vão sendo resolvidas. Atualmente, temos um débito pequeno que vamos equacionar. Isso e todo o resto. Estamos perto de solucionar esse atraso existente.

O trabalho está sendo feito, vamos concluir, vamos passar por uma fase complicada. Mas vai passar. E, se o próximo presidente quiser, não terá mais esse tipo de problema.

Em abril, havia a necessidade de R$ 50 milhões para pagar a folha, as rescisões de atletas no ano passado e impostos. Esse dinheiro viria de um fundo, o chamado Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), elaborado pelo então vice de finanças Diogo Bueno. Por qual motivo ainda não veio?

A ideia não parou. Ao se fazer uma operação de longo prazo, se perde muito dinheiro. A taxa de juros não é baixa. Então, as receitas futuras ficam comprometidas. Analisamos algumas outras opções, que são mais baratas. Como o clube não antecipou nenhuma receita dos próximos anos, temos condições de ter outros mecanismos para resolver a questão. Estamos estudando a melhor forma, a análise não é simples.

Não estamos retardando nada, estamos no caminho que poderíamos estar. Para dar um passo desse tamanho, é necessário ter certeza. Não é questão de inércia ou de não tomada de decisão. Tem de tomar a decisão com as informações precisas para não prejudicar o futuro do clube.

As rescisões estão atrasadas com os jogadores liberados ao final do ano passado, casos de Diego Cavalieri, Marquinho, Wellington Silva…

A gente começou o ritmo de pagamento normal, mas depois precisou interromper. Assim que tivermos recursos, vamos regularizar. Comunicamos a alguns, outros entenderam. Tivemos a compreensão de todos. Há a crença de que vamos resolver. Mas, sim, o problema existe.

Há alguma chance de captar dinheiro negociando percentual de futura venda de jogadores formados em Xerém? Um empréstimo que desse como garantia os jogadores a serem formados…

Não. Isso não existe. Não tem como vender Xerém. Até porque a legislação não permite. Poderia se criar um fundo, mas não vamos fazer. Nenhuma operação que estamos pensando envolve Xerém. Não existe essa possibilidade.

Há necessidade de vender outros atletas em 2018?

Não há nenhuma proposta colocada por escrito por nenhum jogador do Fluminense. No máximo sondagem. Vem uma pergunta: “Quanto quer por esse jogador?” Eu não respondo. Todo o clube brasileiro precisa vender para equilibrar as contas. É natural que propostas aparecem. Se aparecerem e forem boas a todos, vamos avaliar o que fazer.

O senhor considera que o Fluminense vendeu a preço justo Wendel e Richarlison, as grandes negociações da sua gestão?

A grande questão é vender no momento certo. O preço muitas vezes é influenciado por uma série de motivos. Justo é o que o mercado quer pagar. Infelizmente, é assim. Se aceita ou não.

Mas recebeu o que desejava?

No início de 2017, alguns clubes queriam o Richarlison. O máximo que chegou foi uma oferta de 9 milhões de euros. A gente não vendeu. Seis meses depois, vendemos por 12,5 milhões de euros e mais 10% da mais valia. Por outro lado, Wendel estava em começo de carreira e quase vendemos ao PSG por 10 milhões de euros. Acabou saindo por 7 milhões de euros. Foram valores que consideramos satisfatórios dentro da realidade do mercado.

Recentemente, a Justiça deu ganho de causa, em decisão de primeira instância, ao Fluminense no caso Gustavo Scarpa. Então, ele pode ser um dos vendidos?

Claro que ele pode ser um dos vendidos. Desde que saiu a decisão, procuramos o atleta. Vejo hoje que o acordo está mais factível do que já esteve. As pessoas estão mais dispostas. Há uma questão jurídica que envolve o Scarpa. A nossa intenção sempre foi fazer acordo pois isso evita de o jogador não puder atuar e respeita os direitos do Fluminense.

Cada um toma as suas decisões. Não me cabe julgar a decisão dele. Na hora, ele pensou que fez o certo. Que era o melhor a ele. Todo mundo toma decisões na vida.

Mas o Fluminense se sentiu…

Injustiçado. Sem dúvida. Os nossos direitos não foram respeitados. E, mesmo assim, o Fluminense não quis que a briga continuasse. O Fluminense não quer prejudicar o Scarpa e o Palmeiras.

Mas porque não houve acordo?

Não dá para responsabilizar ninguém. Todos querem o acordo. Vamos manter a conversa, com boa vontade. Apontar culpados não ajuda.

Há proposta do Benfica por ele, como noticiado pelo jornal A Bola, de Portugal?

Vários clubes querem o Scarpa. Mas o Fluminense tem de se sentir contemplado, assim como o atleta e os parceiros do clube. Se chegar algo que agrade a todos, se resolve. É natural.

A Valle Express, patrocinadora master, tem parcelas em atraso com o clube. Há previsão de regularização?

A Valle apostou no Fluminense. É difícil arranjar patrocinar privado no Brasil. Eles vieram, com um planejamento bom a eles e ao clube. Qualquer questão que envolva o que foge ao normal, precisa ser tratada com cuidado. Assim como o clube pede que alguns entendam as dificuldades financeiras, temos de ter o mesmo procedimento. O comercial e o financeiro estão cuidando.

Não me adianta expor o parceiro. Por vezes, nem ocorre a situação que as pessoas acham que existe. As vezes sofremos com isso pois parece que a notícia saiu daqui e nunca houve isso. A relação é boa e tranquila.

Cacá Cardoso, Diogo Bueno, Idel Halfen, Miguel Pachá e Sandor Hagen, estes cinco vices da sua gestão, renunciaram. Uma das alegações era de que a gestão não era compartilhada, como fora prometido na época da aliança.

Isso é uma lenda. Todos os VPs tinham atribuições importantes e autonomia para tal. Todos. Alguns continuam fazendo projetos, como se nada tivesse acontecendo.

Pacha e Diogo, respectivamente, com Scarpa e projeto de reforma das Laranjeiras.

Isso. Nada mudou. Eles pediram para continuar, tiveram a minha concordância e continuaram. Perguntei se eles queriam ajudar, eles concordaram e eu disse que não tinha motivo para tirar eles. Zero problema.

Agora, uma coisa é autonomia, outra é o processo decisório. E, de uma forma ou outra, tudo cai no meu colo. Quem é xingado na arquibancada sou eu. Então, tenho de tomar a decisão minimamente com a minha consciência. Se eu acho que determinado assunto não deve andar daquela maneira, eu falo. E isso não agrada. É normal.

Não havia condição de contornar?

Chegou para mim como algo pronto. Ponderei. Mas eles foram definitivos. Lamentei e agradeci. Não houve espaço para reverter.

Claro que não gostei do que aconteceu. É óbvio. Uma turbulência política enorme, gera um desfalque de pessoas que ajudavam. Agora, o clube tem de andar. Hoje enxergo que eu vou pegar pessoas apolíticas. Tenho de tirar isso daqui, tenho de ter tranquilidade. Quem saiu é tricolor, não quer mal do clube. Mas causou uma turbulência e trouxe dúvida quanto à gestão. É ruim.

Houve temor de uma tentativa de golpe, com a destituição do senhor?

Nunca senti nada disso. Nada. Nunca identifiquei nada. Política de clube atrapalha demais. Ao sentar nessa cadeira, tem de sair dos grupos políticos. Eu não interfiro. Governo para todo o Fluminense. É preciso se abster disso e trabalhar. Se fosse um golpe, Cacá não teria renunciado. Eles saíram por divergências que acharam que não se tinha como sanar. Acontece.

Na terça-feira, houve manifestação de parte de torcedores nas Laranjeiras pedindo a sua renúncia. Aliás, nos jogos, parte da torcida se manifesta contra a gestão. Acha as críticas injustas? O senhor cogita ou cogitou renunciar?

Isso nunca passou pela minha cabeça. Quando se aceita ser presidente, se assume um compromisso com a instituição. O que você pensa deixa de ser relevante, em alguns momentos. Estou aqui para cumprir uma etapa que é dura. Não vou ter reconhecimento agora. A torcida quer time. O momento do clube é de reestruturação, então, o investimento é menor. Se o time não ganha, o xingamento é mais alto. Acho injusto, mas entendo. Não reclamo. É legítimo. O torcedor tem direito de não gostar de mim. Agora, eu quero ganhar também. Qual a lógica de eu perder convívio familiar, tempo profissional e momento de lazer? Se eu desistir no meio, estou jogando fora tudo. Não vou fazer isso.

Agora, poxa, não dá para aturar torcedor com bomba no clube. Isso não leva a lugar nenhum. Isso destrói o patrimônio do clube. Imagina a situação: se está para contratar alguém e esse alguém vê bomba no Conselho, poxa, esse cara nunca vai querer vir. Isso que as pessoas não percebem! As pessoas estão atrapalhando o Fluminense. Eu não vou ir a reunião do Conselho para sair escoltado por segurança. Não vou.

Quer escrever que o Abad é o pior presidente do mundo, ok, é opinião. As pessoas têm direito de opinar. Não pode ameaçar, agredir funcionários, interromper reunião do Conselho. Isso está errado, isso prejudica o clube.

Eu sei o que estou fazendo. Quando acabar meu mandato, em 2019, eu tenho certeza de que o Fluminense vai estar melhor do que estava. Certeza absoluta. Vou sofrer para que? Não vou sofrer para nada. Vou entregar um clube melhor. Não estou aqui atrás de reconhecimento. Ao acabar meu mandato, vou para casa, volto para a arquibancada e ajudarei o próximo presidente, se ele quiser. E no que ele quiser.

Mas, presidente, não são só eventuais atitudes da torcida que possam vir a prejudicar. A política interna também atrapalha o clube.

Muito. A política gera insegurança muito grande. O clima de animosidade fica exarcebado. Os funcionários ficam inseguros e constrangidos. E, por mais que blinde o futebol, todo mundo lê. Isso afeta. Claro que afeta alguma coisa. As pessoas do futebol comentam. Se o presidente não vai a uma reunião, os jogadores perguntam o que está acontecendo.

Há predisposição a prejudicar?

Não posso dizer. Mas o fato é que prejudica. Ao vazar informações, prejudica. O Fluminense precisa se unir urgentemente.

Eu fiz uma reunião esses dias com um grupo político e as pessoas me falaram que, após a conversa, ficaram com outra cabeça. Entenderam o que ocorre no clube. Então, a turbulência política cria clima muito rápido de negatividade. E desfazer isso demora. E toma tempo de outras atividades no clube. Mas é preciso fazer ou a coisa fica insustentável.

O senhor se sente isolado politicamente?

Isso não é verdade. O Grupo Base, um grupo de empresários, de gente de mercado, está totalmente junto comigo. Por mais que o meu grupo tenha tido algumas saídas, continua firme e forte comigo. Tenho apoio político, sim. Tem muita gente que enxerga o que está acontecendo. Tenho muita manifestação política no dia a dia aqui no clube de apoio.

Marcelo Teixeira, dizendo-se falar “em nome do presidente”, autorizou o empresário de Diego Souza a negociar a parte dos direitos relativa ao Fluminense no valor de R$ 1 milhão. O Sport o vendeu ao São Paulo e o caso está na Justiça. Houve esta autorização?

O e-mail existe. De fato, é real o que o Marcelo mandou. Mas esse assunto está no jurídico. Não posso falar pois o clube tem um valor relevante a receber. Nosso advogado pediu para eu não falar. E eu vou seguir a orientação dele. Não é questão de mentir, mas as palavras podem ser usadas.

Ao dizer o e-mail é verdadeiro, o senhor quer dizer que…

Ele efetivamente mandou o e-mail. Não quer dizer que o conteúdo seja necessariamente verdadeiro. E nem que eu tenha autorizado.

Imagem de Marcelo Teixeira ficou desgastada.

Claro que desgastou. Mas eu confio no Marcelo. A situação dele é… as pessoas comentem erros. Veja. Você é um jornalista. Vamos supor que eu, seu chefe, diga que agora você é um administrador. E você vai mal. Como que vou te demitir? O mínimo que tenho de fazer é te devolver à função que sabe desempenhar. Isso que ocorreu com o Marcelo. Ok, teve críticas ao trabalho dele no profissional. Mas não vou perder o valor dele. É excelente profissional. Ele continua sendo o melhor gestor de base do Brasil. Foi chamado pela CBF e não foi para ficar no Flu. Não faz sentido perder ele por gritaria política. Não farei isso.

Em qual fase está o projeto de reforma das Laranjeiras? O senhor é a favor?

É um projeto do clube. Foi trazido por um grupo de conselheiros, e o clube deu autonomia. Mas não há dinheiro para reformar o estádio. Estamos abertos a fazer. Autorizei a esse grupo por escrito para representar o clube perante os órgãos públicos. Fui a reuniões, nunca tive nenhuma objeção ao clube. É inverdade dizer que a direção não quer. O projeto continua e ele não impede que se fale de outro estádio.

Como assim?

Os projetos estão relacionados, uma coisa não atrapalha a outra e eles não são contraditórios. Depende da destinação que se dá a cada um. Não é só jogo de futebol que vai sustentar o projeto de Laranjeiras. É a utilização para outros eventos. E, com isso, se usa ao futebol.

O futebol aqui pode ser para jogos do Estadual, de menor porte. Para o futebol feminino, para a base. Mas o que vai sustentar é outros eventos. Isso ainda precisa ser decidido.

Na campanha, no ato de lançamento dela, ao lado do ex-presidente Peter, apresentou o terreno na Barra que poderia receber o estádio próprio…

A gente entendeu que aquele terreno não atenderia ao clube. O solo é difícil, demandaria muito custo e costura política. Era um terreno privado e que dependeria de muita autorização pública. Havia o risco de ter de parar no meio e mudar. Então, mudamos para achar um terreno com as condições ideiais. Aquele, a priori, não vamos usar.

Então, o ato foi exclusivamente eleitoreiro.

O que eu sempre apresentei foi a ideia de ter um estádio próprio. E isso está andando. Houve uma certa precipitação do Peter de relacionar aquele terreno com a minha ideia de estádio. Agora, o estádio é uma ideia que vou levar a frente. No momento certo, isso vai chegar ao público. O Peter relacionou esse terreno a mim. Eu só soube desse terreno naquele dia, para ser sincero. Eu não conheci o terreno. Parecia ser razoável e depois vi que as condições não eram as ideais. E não tinha como parar a campanha para ir ver o terreno. Foi muito mais um desejo dele.

Qual seria a capacidade ideal do novo estádio?

Temos três opções em uma área bem estabelecida. Acredito que teremos condições de mostrar em breve. Até o final da minha gestão, esse assunto estará claro: onde será, o que será e como será pago. Envolve, posso dizer, que o torcedor compre as cadeiras.

Não é o maior estádio que é o melhor. Se escolhe o terreno para dar retorno e aquele lugar talvez não comporte uma construção tão grande. Posso dizer que o estádio terá entre 30 mil e 40 mil lugares.

Manifestação de Abad na campanha (Foto: Reprodução)Manifestação de Abad na campanha (Foto: Reprodução)

O endividamento do Flu só cresce: R$ 331 milhões em 2015, R$ 399 milhões em 2016, segundo os cálculos da diretoria passada e reclassificado para 529 milhões, e R$ 631 milhões em 2017. O clube tem dívidas bancárias altíssimas, acima dos R$ 110 milhões, ao mesmo tempo em que deve R$ 221 milhões ao governo por calotes em impostos e R$ 239 milhões em dívidas trabalhistas. Na campanha, o senhor disse que havia ajudado ao ex-presidente Peter Siemsen a equacionar as dívidas. Isso não confere com a verdade dos números. O que houve?

O que eu falei na época partiu de uma realidade que apareceu para mim. Realmente, o que eu falei não condiz com a verdade. Mas é diferente de mentir. Mentira é quando se faz deliberadamente. Quando se senta na cadeira de presidente é que se sabe o que é a realidade do clube.

Mas o senhor era o presidente do Conselho Fiscal.

Sim, eu era. Mas aí eu te explico como era o clube: se o presidente quisesse, ele fazia todos os contratos sem ninguém saber. Tranquilamente. Como eu vi que tinham coisas que eu não sabia.

Mas o senhor era aliado do ex-presidente. Foi o candidato da situação.

Sim, éramos aliados. Por isso fiquei muito triste quando soube de toda a situação. Sem dúvida alguma. Não gostei. De certa forma, eu fui colocado diante de uma realidade que não era verdadeira. E hoje, aqui, criamos limite de alçadas para um monte de coisa. Então, por exemplo, se eu quiser contratar um jogador com salário superior a R$ 200 mil, não posso assinar sozinho. Estatutariamente, posso. Mas me comprometi com os diretores que iria trazer para o Conselho Diretor decidir. É um compromisso pessoal meu.

Eu converso com o presidente do Conselho Fiscal. Há mais transparência para que isso não volte mais a acontecer. E isso, quando eu era do Conselho Fiscal, nunca aconteceu. No passado, demorava a ter reunião do Conselho Diretor. Agora não passa duas semanas e temos. Todos os assuntos são trazidos e conversados. Já teve jogador que não foi contratado por decisão do conselho diretor.

A administração Peter Siemsen, com o passar do tempo, se mostrou diferente do que o ex-presidente dizia. Como o senhor define a gestão que apoiou?

Sem dúvida pagamos um preço agora de escolhas do passado. Dividiria a gestão dele em dois momentos. Até final de 2014 e a partir dali. Até a saída da Unimed, o Peter foi bem. Depois, o chão se perdeu. Por mais que tenha errado, é difícil de crucificar. São inúmeras as decisões a serem tomadas. Geralmente, por mais apoio que haja, se está sozinho. A pressão é muito forte. Eu sinto na pele uma pressão que é muito difícil. É muito complicado de sair de casa.

Depois da saída da Unimed, alguns contratos de jogadores não cabiam no orçamento do clube. Isso foi um erro no penúltimo e último ano da gestão dele. E pelas receitas extraordinárias que ele teve, especialmente a venda de Gerson e as luvas das cotas de televisionamento, deveria ter feito diferente. Não aproveitou para sanear dívidas.

Por que não se posicionou contra a aprovação das contas de 2016 que posteriormente foram revistas?

Nos anos 1990, as contas do Alvaro Barcelos foram reprovadas. Não aconteceu nada. As contas do Roberto Horcades foram reprovadas em 2011. O que aconteceu? Nada. Isso não tem efeito prático. Não tem como responsabilizar pessoalmente.

Ao reprovar as contas, se tem problema para captar recursos públicos. O repasse é suspenso. É preciso ter responsabilidade. Porque se reprova? Houve irregularidade? Não. Mas, sim, ele gastou mal. As revisões feitas no balanço são referentes a provisões. Houve erro de planejamento. Não há indício de dolo do Peter. Apenas corrigimos erros. Mandar revisar e votar de novo as contas seria um ato político. Não há ganho. Não houve gestão temerária dele. Ele se equivocou.

Essa pressão citada… o senhor se arrependeu de ter assumido como presidente?

O sacrifício em casa é muito grande. Eu sempre dei aula a meu filho, sempre o ajudei. Hoje vejo a educação dele passar pelo meu lado. Eu abandonar o clube e perder tudo isso? Não vou. Sair seria uma derrota dura por política. Não me arrependo. Alguém tinha de fazer. Tem de ter estofo para manter a posição e não sair contratando após as derrotas. Eu sei o que passou na cabeça do Peter quando ele fez as contratações.

Eu já fui ameaçado. Sair de casa para jantar é complicado. Não é mole. Tem de ter uma firmeza de propósito muito grande. E seria tão fácil deixar para o próximo pagar…

Apesar desses exageros, o senhor não entende que a mensagem passada na campanha foi diferente da realidade?

Pago um preço alto pela campanha. Se eu pudesse ter feito algo diferente, teria feito. É algo difícil. Sabendo o que era, eu pararia para pensar se iria entrar. Uma coisa é saber e decidir entrar. Outra é saber previamente e analisar. Se eu soubesse todas as coisas, minha forma de agir teria sido outra. Teria deixado claro a todo mundo e o discurso seria outra. Iria dizer que a situação era difícil e o trabalho seria complicado.

Mas muitos se sentem enganados, presidente.

Cabe um pedido de desculpas, com ausência de dolo. Eu entendo que chegou uma informação equivocada. Mas também me reservo o direito de dizer que não foi de propósito. Eu acreditava naquilo que estava dizendo.

O senhor vê que o clube evoluiu na sua gestão?

Evoluímos em algumas questões. As nossas despesas hoje cabem dentro das nossas receitas. Se pegar o passado e deixar de lado, o Fluminense vive bem. Sem atrasos. A gente corre atrás para pagar o passado.

Só no futebol. De 2016 para 2017, foram R$ 16 milhões de economia. Do ano passado para esse, foram mais R$ 46 milhões. Não tem mais como cortar. Chegamos ao limite. O futebol é a razão de ser. Mas a gente mexeu em tudo, esporte olímpico, rotina do clube, reduzimos o que dava de salário. Chega a hora que temos de trabalhar a receita, temos de ter mais receitas.

E, mesmo assim, não pensa em reeleição?

Não. Isso não vai acontecer. Primeiro, sempre disse que não iria ocorrer. Tenho convicção de que o segundo mandato é pior do que o primeiro. O desgaste é muito grande. A reeleição não é boa. Fischel, Horcades e Peter fizeram piores segundo mandatados. Meu nível de investimento familiar não tem como aumentar mais. Não dá.

E nem o seu grupo, a Flusócio?

O linchamento feito… a imagem do grupo está desgastada. O perfil do grupo é de apoio. Ele é um meio, não um fim. Isso eu não sei. A gente fez muita coisa para ter esse nível de ódio do torcedor. O torcedor pode votar por nossa causa. O que era Xerém… o campo principal tinha um buraco no meio. O que hoje tem lá foi a Flusócio que fez.

O resumo das promessas de campanha de Abad (Foto: Reprodução)

Na campanha, o senhor falou em “ações para aproximar o torcedor”. O que se vê é o contrário. O número de sócios está estagnado e o público no estádio é baixo. Como mudar isso?

Esse é um projeto que está sendo tocado. Deve estar funcionando até o final do ano. Há expectativa de gerar receita.

A média de público do Fluminense não era ruim. Vamos deixar os clássicos de fora. A média, de 2013 até o ano passado, era de 23 mil. Mas há contexto. Há crise econômica no país, crise de segurança no Rio, o time oscila. Não adianta. O torcedor não vai.

Agora, o clube não pode sentar nisso. Tem de fazer algo. O nosso Programa de Relacionamento não será só com ingresso. Ele também terá ingresso. Ir ao jogo será natural. O plano oferecerá benefícios baseados em boas parcerias. Veja bem: não é um plano de sócio torcedor. Os benefícios são descontos, itens exclusivos, experiências únicas, como ver treino, ir a hotel dos jogadores, ir ao camarote do presidente. Coisas que não têm preço ao torcedor. Quem não estiver, não terá as experiências.

O projeto Flu Samorin terá continuidade? Há notícias de que houve acerto com patrocinadores. Porém, não se tem uma definição. O que falta?

Temos algumas pendências a pagar para poder continuar. Quitando o que está atrasado, o projeto continua. Marcos Manso conseguiu patrocinadores. Os números do que cada empresa vai colocar estão determinados. Do orçamento de 800 mil euros, conseguimos 400 mil euros por ano.

Esse dinheiro não faz falta aqui no Brasil?

É preciso ter todo o clube funcionamento. Se for assim, não se faz evento social. Mas sem isso, não se tem as mensalidades. Tem de balancear os interesses. Não queremos encerrar e vamos manter o projeto.

As pessoas enxergam o Samorin como venda de jogadores. E, na verdade, é uma etapa da formação. Precisamos subir o time para a primeira divisão e, com isso, os gastos baixam pois passamos a ter cota de TV, por exemplo.

O Flamengo anunciou recentemente um novo acordo com o Maracanã. Qual a posição do Fluminense? Mesmo com todos os esforços de redução de despesas, o Tricolor normalmente tem prejuízo ao atuar por lá.

O edital não permite que haja caracterização. Ela tem de ser móvel. É com a luz, com os adesivos. Cada clube tem o seu contrato e cada contrato tem de respeitar o edital. O Flamengo propõe tirar as cadeiras de uma parte do estádio. Vamos analisar. Se for benéfico, podemos apoiar.

O nosso acordo tem uma parte que esta judicializada. Então, é difícil mudar a relação. Hoje ela não é com o contrato original e o consórcio também não está satisfeito. Buscamos receitas maiores para melhorar a todos. É difícil operar lá, mesmo que tenhamos avançado na redução de custos. O que falta é presença de torcedor. Com 17 mil pagantes, na parte de baixo, os custos se pagam.

Mas isso não é culpar o torcedor?

Não, não. Não estou culpando. É uma conta matemática. As despesas foram reduzidas ao limite. Então, precisamos de receita. Falta torcedor. Não digo que ele é culpado, nunca colocarei a culpa nele. Mas aí entra o contexto que falei antes.

Gostaria de deixar uma mensagem ao torcedor?

Eu sou Fluminense, gosto de ganhar jogo, cresci com times fortes. A forma de conduzir o clube hoje é importante para o futuro. Eu quero que ele saiba que tem alguém trabalhando forte aqui. O clube vai melhorar. E, em um futuro, estará no eixo de novo. Teve times que pagaram esse preço de reestruturação caindo. A gente está se segurando. O Fluminense precisa do torcedor. O torcedor apoia o clube e não o presidente. Com ele próximo, fica mais fácil. Tem coisas que eu não aturo, como invasão do Conselho. Tem de haver respeito pela instituição que é a presidência do Fluminense. Não existe ter um conselheiro na tribuna ofendendo o presidente.

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Por Explosão Tricolor / Fonte: Globoesporte.com

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