Cristóvão desabafa: ‘Eu não sou burro’. E ainda comenta sobre racismo.




Cristóvão desabafou e falou até sobre racismo. Confira abaixo, a entrevista com o treinador tricolor.

Como tem convivido com a pressão?

O que aumenta o estresse é a busca do equilíbrio do time. Tem sido desgastante, mas eu sabia que o trabalho seria difícil. Perdemos sete jogadores e recontratamos mais sete. Além disso, Wagner e Marlon se machucaram, Gum passou por cirurgia… Perdemos dois jogos seguidos, sendo que no clássico (contra o Vasco) fomos muito mal…

Por que o Fluminense jogou tão mal contra o Vasco?

Não fomos competitivos. Mas aquele clássico nos deu as informações que serão decisivas. Foi um divisor de águas. Estou acreditando que agora vamos entrar na proximidade daquilo que queremos. Espero mais. E sei que o time vai dar mais.

Você acha que teria sido demitido em caso de derrota para o Resende na rodada passada?

Não tenho a menor dúvida… Ninguém falou isso pra mim e nem precisa falar. No futebol, quem é firme e aguenta a porrada são os jogadores, é a comissão técnica, é quem vive o mundo real. Quem está fora disso vive outra lógica, a do imediatismo, do extremismo, supervaloriza o que é bom, arrasa o que é ruim. É por isso que, quando a fase está difícil, eu não me assusto como os outros se assustam e se descabelam. Nem fico eufórico quando está tudo bem. A gente começou a competição vencendo quatro jogos, e, enquanto todo mundo dizia que o time estava uma maravilha, sabe o gente estava achando? Que estava ruim ainda. Só a gente via isso. O julgamento no futebol é feito em cima de resultado. No futebol, só se discute resultado e arbitragem.

Você merecia cair em caso de derrota para o Resende?

Não merecia. Fiquei muito feliz por ter renovado meu contrato, pois acabou aquela situação de acabar a temporada e trocar tudo. E vou fazer de tudo para sobreviver até o fim do Campeonato porque vai ser outra vitória. Vai ser outra vitória porque ninguém diz: “Ah, o time do Fluminense perdeu jogadores e não tem dinheiro para contratar com a mesma força”. Não há essa avaliação. Se perdesse pro Resende, nada servia. Manda embora, troca o técnico.

E se você perder para o Botafogo, como fica a sua situação?

Vejo com normalidade. É clássico, há um equilíbrio. O treinador vive lado a lado com a pressão. Quem não ganha, não serve. Minhas experiências foram tão enriquecedoras que me sinto cada vez mais à vontade diante dessa pressão e dos questionamentos. Levo fé no meu grupo e vamos fazer bem.

Durante o jogo, você fica imaginando no banco que pode cair?

Nada disso me afeta. No Fluminense, as coisas vazam demais. Vaza tudo aqui. O bom disso é que quando vão cortar a tua cabeça, você fica sabendo. No ano passado, no jogo contra o Sport, em agosto, minha cabeça estava na bandeja e eu sabia que estava tudo pronto para eu ser substituído na segunda-feira. Mas esse pessoal aí teve uma infelicidade: a gente venceu o jogo por 4 a 0.

Quem era esse pessoal? O patrocinador?

Não conheço. Desconheço. Mas tô há mais de 30 anos nessa vida. Os jogadores também ficam sabendo, às vezes ficam inseguros. Eles gostam de mim como treinador, como profissional, como alguém que está ali ao lado deles para o que vier. Naquele dia, na palestra antes do jogo contra o Sport, falei pra eles: “Minha preocupação com isso é zero, zero, zero mesmo”.

A torcida gosta de você?

A torcida gosta que eu faça o time ganhar. Quando o time não ganha, a torcida não gosta de mim.

A torcida te perturba com o Walter?

Contra o Boavista, campo apertado, a torcida ficava perto, um torcedor gritava: “Você está de implicância com o Walter!” Aí, quando coloquei o Walter, ele disse: “Tira o Walter!” É assim. No fim, a gente ganhou, e ele gritou: “Cristóvão, pede ao Walter pra ele dar a camisa pra gente!” Esse é o torcedor.

A torcida do Vasco era muito dura com você. Existe preconceito?

Não tenho a menor dúvida de que numa crítica dirigida a mim e a um outro treinador, a tolerância comigo é menor.

É vítima de racismo?

O racismo existe, não tem como esconder. No Vasco, quando eu tirava o Felipe ou o Juninho, o torcedor achava que eu estava maltratando o ídolo. Para o torcedor, era muito abuso partindo de um ex-assistente, e negro, que ainda por cima defendia suas convicções. Eu me coloco. E essa coisa incomoda. Eu defendo minhas convicções independentemente de gostarem ou não, de ser vaiado ou não. Sei que isso incomoda. Não faço para agradar. Defendo e sustento.

Isso ocorre no Fluminense?

Não. No Vasco, quando os torcedores ficavam com raiva, iam para perto do banco de reservas. Pela agressividade, dava para perceber que tinha coisa de preconceito. Estou falando de uma pequena parte da torcida. Não é a torcida do Vasco.

Diziam para desestabilizar você ou por terem preconceito?

Você não vai perceber essa diferença porque é branca. Como sou negro, percebo a agressividade. Os caras dizem: “Seu negro filho da p…”, ou algo assim. Aí, você percebe que está incomodando e que isso acontece não somente pela posição que está ocupando. É ofensa pessoal. Mas me sinto muito à vontade diante dessas situações.

Nunca pensou em gritar contra isso, como fez o goleiro Aranha?

Tenho muita coisa para fazer. Tenho muito trabalho. Sou responsável por atender a ansiedade desse povo todo. Está todo mundo esperando que eu responda. Não tenho tempo para perder com conversinha, discussão, em xingar, devolver. Valorizo muito o meu tempo. Meu negócio é trabalho. É através do trabalho que vou ultrapassar isso. É o que o tempo tem me mostrado. Saí do Vasco, fui pro Bahia, estou no Fluminense. Aqui, não estou passando por isso. Aqui, é a coisa do imediatismo, a cobrança por resultado. Existe essa insatisfação. Agora, sei que incomoda o meu jeito de defender minhas posições. As pessoas ficam incomodadas com quem se coloca. E eu me coloco.

Você é teimoso?

Não sou, não. Tanto não sou, que eu faço mudanças. Se fosse teimoso, ficava insistindo nas coisas que não estão dando certo. E eu fico mudando para acertar. Então, não tem teimosia. Seria até burrice, e burro eu não sou. A única coisa de que discordo é quando me chamam de burro. Eu não sou burro. Isso eu não sou. Já me chamaram, basta não ganhar. Mas eu discordo disso com todas as minhas forças.

Fica aborrecido?

Não. Nem um pouco, pois eu sei que não sou burro. Então, não pega para mim, não. Meus movimentos já decidiram um jogo e não ouvi ninguém me chamar de inteligente. E também não tenho a ilusão disso acontecer. Nunca aconteceu com ninguém.

Por que há poucos negros no futebol?

Porque as relações social e racial andam juntas. Não existe negro em cargos de direção ou na universidade porque, socialmente, são mais pobres e têm mais dificuldade de acesso. Mas a gente não tem que ficar só reclamando. A gente tem que se preparar porque, se você é preparado, independe de cor. Você vai ascender. Para mim foi muito difícil. Agora, quando tive a oportunidade, eu já tinha muita experiência e estava preparado. E quando assumi, busquei me preparar mais ainda. Eu não paro. Isso vai fazer com que eu tenha facilidade de seguir ascendendo. Eu não deixo de me preparar. Eu invisto muito em me preparar, em estudar.

O que acha da polêmica sobre quem deve sentar do lado direito do Maracanã?

É uma bobagem. Isso é de uma nulidade… A gente foi jogar (contra o Vasco) no Engenhão para 6 mil (pagantes). O Botafogo jogou na véspera contra um time menor e teve renda duas vezes maior, 11 mil, no Engenhão. Qual é a contribuição que isso dá para o futebol? Essas discussões me incomodam profundamente.

Qual é o melhor time do Rio?

Flamengo é o melhor de todos. É o mais forte. Mantiveram muito mais jogadores do que os outros. O investimento do Flamengo foi mais alto. Vasco, Botafogo e Fluminense teriam dificuldade para contratar o Marcelo Cirino, por exemplo.

Qual é a sua avaliação sobre o Botafogo, adversário do Fluminense?

É um time perigoso, que está bem. No estágio em que os times estão, os clássicos vão ter muita briga, muito equilíbrio.

Por Explosão Tricolor / Fonte: Extra / Foto: Rafael Moraes